Prioridade do Palácio Piratini na retomada dos trabalhos da Assembleia Legislativa, a reforma da previdência dos militares tenta corrigir um desequilíbrio histórico no financiamento das aposentadorias do funcionalismo. Atualmente, o sistema previdenciário da Brigada Militar (BM) e do Corpo de Bombeiros tem um déficit percentual superior ao dos civis.
Em 2020, as contribuições dos militares representaram 10% de todos os benefícios previdenciários pagos à categoria — R$ 528 milhões em receitas, ante R$ 5,21 bilhões de despesas. Já os demais servidores contribuíram com 15% — R$ 1,79 bilhão de arrecadação, ante R$ 11,82 bilhões de desembolso no sistema civil.
Dessa distorção, resulta uma conta em que de cada R$ 100 pagos pelo Estado a aposentados e pensionistas, R$ 31 ficam com os militares. Em contrapartida, a categoria contribui com R$ 23 em cada R$ 100.
Para equalizar essa situação, o Piratini reenviou à Assembleia na quarta-feira (3) o projeto que estipula uma cobrança escalonada no vencimentos dos militares. A exemplo do que já ocorre com os servidores civis, o texto prevê alíquotas crescentes conforme a faixa salarial, partindo de 7,5% e chegando a 22%.
Em 2020, o fundo que paga todas as aposentadorias e pensões dos servidores registrou déficit de R$ 10,3 bilhões. Se o projeto for aprovado, a projeção é de que haja uma redução de até R$ 700 milhões nesse rombo. Somente em economia no gasto público, a previsão é de R$ 200 milhões anuais.
— O sistema criado para financiar as aposentadorias é insustentável — justificou o governador Eduardo Leite ao apresentar as medidas.
Pela proposta, os inativos também passam a pagar mais. Atualmente, contribui apenas quem recebe acima de R$ 6 mil. Se o projeto for aprovado, as contribuições dos militares da reserva começam a partir de quem ganha R$ 1,1 mil. Todavia, como hoje todos os contribuintes arcam com uma alíquota geral de 14%, as novas faixas de cobrança irão reduzir o desconto nos salários de nove em cada 10 brigadianos da ativa.
— O sentido é obter mais recursos e fazer justiça contributiva. Hoje temos profissionais no Estado que ganham exatamente a mesma coisa, mas que contribuem com valores diferentes para a previdência. A justiça se dá também na medida em que vamos cobrar mais de quem ganha mais, o que não acontece com alíquotas únicas — afirma o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso.
A reforma já havia sido enviada à Assembleia em 2019, em meio a um extenso pacote de ajuste fiscal que retirou vantagens e reformulou carreiras de quase todo o funcionalismo. Na ocasião, vários deputados alegavam ser inconstitucional a mudança no sistema dos militares. As dúvidas foram sanadas com uma decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no ano passado, admitindo a autonomia dos Estados para definir suas alíquotas previdenciárias.
Reações entre os militares
Com a chancela judicial, o governo espera aprovar a reforma ainda em março, já que o texto tramita em regime de urgência. Para tanto, será necessário muita habilidade política. Leite já identificou resistência em algumas bancadas, sobretudo no MDB. A despeito de uma cobrança menor em 96% dos contracheques da ativa, o alto oficialato da BM lidera uma reação.
Esse grupo é formado principalmente pelos mais de 500 coronéis da reserva, todos ganhando o teto salarial. Em telefonemas e mensagens enviadas a deputados e assessores, eles intensificaram pedidos pela rejeição da medida. Como se trata de um projeto de lei complementar sobre mudança tributária, o governo precisa de ao menos 28 votos favoráveis e as novas regras só entram em vigor 90 dias após a lei ser sancionada.
De maneira geral, a categoria pretende trabalhar pela rejeição do projeto. Segundo o presidente da associação dos servidores de nível médio da BM (Abamf), José Clemente da Silva Corrêa, a maior parte dos servidores representados pela entidade será onerada. Corrêa defende uma modernização na carreira da corporação, com a promoção de soldados que hoje atuam substituindo quadros em extinção.
— Isso traria mais dignidade para os servidores e ainda aumentaria a arrecadação do Estado, pois um soldado que substitui um sargento ganha como sargento, mas contribui como soldado. A reforma faz alguns pagarem menos, mas todos os militares da reserva vão pagar mais. E a grande maioria de quem está na reserva são soldados e sargentos. O governo diz que é para cobrar mais dos oficiais, mas esse número é ínfimo. O governo quer mais uma vez achatar os servidores — reclama Clemente, para quem a mudança nas alíquotas é inconstitucional.
Entendimento semelhante tem a Associação dos Oficiais da BM. Para o presidente da entidade, Marcos Paulo Beck, o governador persegue a categoria. Beck promete intensificar a atuação junto aos deputados pela derrubada da iniciativa.
— Queria entender esse ódio que o governador tem dos militares. Ele está há dois anos tentando nos prejudicar. Essa reforma é inconstitucional, imoral e ilegal. Ninguém paga um tributo tão alto para a sociedade como nós.