Marcada para esta sexta-feira (1º), a posse de prefeitos e prefeitas eleitos para comandar os 497 municípios do Rio Grande do Sul pelos próximos quatro anos terá como pano de fundo o agravamento da pandemia, o desafio de superar a crise social e econômica e as incertezas em relação ao futuro. Se em 1º de janeiro de 2017 a principal preocupação era pagar salários de servidores em dia, dessa vez os motivos de angústia vão mais além, da vacinação em massa à crescente demanda por serviços públicos.
Quem se prepara para assumir o cargo, diz o presidente da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs), Maneco Hassen, já percebeu, antes mesmo da virada do ano, que a missão a ser empreendida exigirá mais do que boa vontade.
— As dificuldades começaram na transição, mais curta do que de costume, e, ao que tudo indica, os novos gestores vão iniciar o trabalho no pico da pandemia. Não vai dar nem para curtir o momento. Eles terão de tomar decisões importantes de imediato, no olho do furacão — projeta Maneco.
A previsão é ratificada por especialistas. Professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, o economista Gustavo Fernandes também prevê um cenário problemático na largada dos mandatos.
— Vivemos uma crise severa, com trajetória de arrecadação ainda incerta, e uma pressão muito forte sobre os serviços de saúde. Na primeira onda do coronavírus, fizemos um esforço razoavelmente grande de enfrentamento. Agora, vivemos a segunda onda, de dimensão igual ou maior, e estamos fazendo muito pouco. Isso, sem dúvida, vai ter reflexos em 2021 — avalia Fernandes.
Vivemos uma crise severa, com trajetória de arrecadação ainda incerta, e uma pressão muito forte sobre os serviços de saúde
GUSTAVO FERNANDES
Professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV)
O novo período deverá se apresentar, ao menos nos primeiros meses, como “uma continuidade do que estamos vivendo hoje”, mas com agravantes. Na saúde, os próximos gestores terão de lidar com dois problemas iminentes: a piora da covid-19 e um volume gigantesco de procedimentos eletivos (não urgentes) represados, estimados em mais de um bilhão no país pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
— São consultas de rotina, exames e cirurgias em quantidade absurda. Essa demanda precisará ser atendida. Quanto mais se posterga esses procedimentos, mais as doenças avançam e maior é o impacto no sistema — adverte Fernandes.
Outro alvo de aflição, com possíveis desdobramentos no início das novas gestões, será a imunização contra o coronavírus, que, por enquanto, segue envolta em dúvidas.
— Ainda estamos na expectativa do plano nacional de vacinação. É importante que o Ministério da Saúde centralize isso, porque seria muito ruim enfrentarmos a corrida pela vacina sozinhos, cada um buscando seu caminho. Mesmo assim, os prefeitos terão de estar preparados para um plano B, se for preciso — afirma Paula Mascarenhas, prefeita reeleita de Pelotas e integrante da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).
Em setores como assistência social, cuja importância cresce com o avanço dos desempregados, e educação, diretamente afetada pela epidemia, não será diferente. Os mandatários terão de se desdobrar para dar conta das demandas.
— Deus queira que tenhamos a situação do coronavírus amenizada até o início do calendário escolar de 2021. Vamos precisar resgatar o tempo perdido, o que envolverá aulas presenciais aos sábados e aos feriados. Isso vai exigir mais transporte escolar, mais merenda, mais horas-aulas pagas a professores e a funcionários. Sem contar que teremos de investir mais em equipamentos tecnológicos, porque o ensino híbrido veio para ficar — ressalta Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM).
Tudo isso exigirá dinheiro em caixa. Ainda que, em 2020, graças ao socorro da União, boa parte das prefeituras tenha fechado as contas em dia, em situação melhor do que na última troca de governo, a necessidade de recursos tende a ser maior em 2021. Também há dúvidas sobre o futuro da economia, que impacta diretamente na arrecadação.
— A previsão financeira é terrível. Além dos efeitos da crise, que reduzirão as receitas, não há, pelo menos até agora, sinalização do governo federal de nova ajuda. O mesmo vale para o auxílio emergencial, que foi muito importante para a população e evitou um quadro ainda pior. O fato é que teremos menos verbas e maior procura por serviços. Para piorar, devemos entrar o ano com estiagem. Já temos quase uma centena de municípios em situação de emergência — alerta Hassen.
Saídas passam por união, cautela e definição de prioridades
As saídas para o cenário dramático projetado para o início 2021, na avaliação de especialistas e de líderes de entidades municipalistas, incluem união de esforços, definição de prioridades e, mais do que nunca, prudência.
Enfrentar os desafios vai requerer capacidade de gestão, montagem de equipes pequenas e muito qualificadas e definição precisa do que deve ser prioridade no primeiro ano
MANECO HASSEN
Presidente da Famurs
— Enfrentar os desafios vai requerer capacidade de gestão, montagem de equipes pequenas e muito qualificadas e definição precisa do que deve ser prioridade no primeiro ano — resume Maneco Hassen, presidente da Famurs.
Para o economista Gustavo Fernandes, da FGV, o momento é de deixar desavenças políticas de lado e buscar unidade entre as prefeituras, apostando em novas práticas de gestão pública:
— O que os municípios podem fazer? Uma alternativa viável é procurar se unir para reduzir custos coletivamente. É possível fazer consórcios na área da saúde pública, por exemplo, para comprar insumos em grande escala e, assim, garantir menor preço e facilitar o acesso aos itens demandados. Há espaço para isso, sobretudo no interior, em cidades pequenas.
Além de união, será preciso tranquilidade e abertura ao diálogo. Com a experiência de quem chega ao segundo mandato consecutivo em Pelotas, quarto município em população no Estado, Paula Mascarenhas recomenda “ouvir todos os lados e manter a serenidade, mesmo nos momentos mais difíceis”.
— Aprendi, com essa crise, que, quando ouvimos a todos e buscamos bom senso e equilíbrio, a gente tende a errar menos e a acertar mais. Não é fácil, mas é um caminho — diz Paula.
À frente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi também tem pedido cautela aos eleitos, em especial para que evitem tomar medidas sem antes conhecer bem a situação da prefeitura. Os futuros gestores estão sendo convidados para um seminário virtual que será promovido pela CNM em janeiro. A ideia é tirar dúvidas dos novatos e repassar orientações.
— Em paralelo, seguiremos atuando em Brasília, junto ao Congresso e ao governo federal, pela aprovação de medidas favoráveis aos municípios. A gente aposta muito no novo pacto federativo e na reforma tributária — ressalta Aroldi.
Seis desafios no horizonte
1) Enfrentamento da pandemia
O agravamento da covid-19 no fim de 2020 e os números da pandemia indicam que os futuros prefeitos assumirão os mandatos em meio a novo pico de casos. Caberá a eles lidar com o problema assim que tomarem posse. Como o período de transição foi mais curto e muitas equipes serão renovadas, inclusive na saúde, o desafio tende a ser ainda maior.
2) Medidas para superar a crise
Muitos dos eleitos conseguiram êxito nas urnas prometendo a abertura de suas cidades e a retomada econômica. Esse será um tema constante no primeiro ano de gestão e exigirá jogo de cintura dos novos gestores, já que, com a piora da epidemia, eles poderão ser obrigados a adotar novas restrições a atividades comerciais, industriais e de serviços.
3) Retomada das aulas
A maioria dos municípios não retomou as aulas presenciais em 2020, e a decisão sobre o que fazer recairá sobre os novos gestores. Além de reativar o calendário escolar, prefeitos e prefeitas terão de discutir a recuperação das aulas perdidas, garantir segurança no retorno e ampliar investimentos em tecnologia para permitir o ensino híbrido (virtual e presencial).
4) Verbas para educação
A partir de janeiro, os gastos com professores inativos não poderão mais ser contabilizados como despesas em educação. Como a Constituição exige que 25% da receita de impostos seja destinada à área, os novos gestores terão de buscar soluções. Em Porto Alegre, por exemplo, serão necessários R$ 290 milhões a mais para atingir o percentual.
5) Demandas represadas na saúde
Ao longo de 2020, milhares de procedimentos eletivos (não urgentes) deixaram de ser realizados em razão da covid-19. Isso inclui, por exemplo, consultas de rotina, exames e cirurgias. A demanda represada precisará ser atendida para evitar a piora de outras doenças, como diabetes, hipertensão e câncer.
6) Finanças públicas
Graças ao auxílio federal liberado em 2020 com a pandemia, a maioria das prefeituras do RS vive situação financeira mais tranquila do que no passado. O problema é que a ajuda acabou, a demanda por serviços tende a aumentar e não se sabe como irá se comportar a arrecadação devido à crise. Será preciso olhar atento a despesas e receitas.