A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) julgue novamente uma ação civil pública apresentada contra três delegados da Polícia Civil de São Paulo por tortura, desaparecimento e homicídio de várias pessoas no DOI-Codi — entre elas o jornalista Vladimir Herzog, morto na prisão em outubro de 1975.
A Corte reformou acórdão que havia entendido que alguns dos pedidos do Ministério Público Federal (MPF) na ação civil pública estavam prescritos, além de aplicado a Lei de Anistia para afastar os pedidos de reparação de caráter civil e administrativo.
Os ministros acompanharam o entendimento do relator, Og Fernandes, no sentido de que a Lei de Anistia não incide sobre as causas civis e que são imprescritíveis as ações de tal tipo relacionadas a violações de direitos fundamentais cometidas durante o regime militar. As informações foram divulgadas pela Corte.
Pedidos da Procuradoria
Na ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) pede indenização para os familiares das vítimas do regime militar, a cassação das aposentadorias dos delegados ou a perda dos cargos públicos que eventualmente exerçam e ainda a proibição dos agentes de assumir quaisquer novas funções públicas.
Além disso, o MPF quer a condenação dos delegados ao pagamento de danos morais coletivos, e do Estado de São Paulo à publicação de pedidos formais de desculpas à sociedade brasileira, além do fornecimento dos dados de todos os funcionários envolvidos nas atividades do DOI-Codi.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância, com sentença mantida pelo TRF3. Para o tribunal, a Lei de Anistia alcançou todos os atos cometidos no período do regime militar, inviabilizando a pretensão de punição civil e administrativa dos agentes.
Além de considerar que os pedidos de indenização civil por atos de tortura estariam prescritos e que não seria possível aplicar retroativamente a Lei de Improbidade Administrativa — publicada em 1992 —, o TRF3 concluiu que as indenizações do Estatuto do Anistiado Político incluem reparações morais, não havendo margem para o reconhecimento da indenização por dano moral coletivo ou do pedido oficial de desculpas.
Lei inaplicável
Ao avaliar o caso, o ministro Og Fernandes apontou precedente do STJ no sentido de que a Lei de Anistia não incide sobre as causas civis, de forma que o Judiciário não poderia estender a sua aplicação para alcançar hipótese não prevista pelo legislador.
O relator também lembrou que, é possível cumular a indenização por dano moral com a reparação econômica da Lei da Anistia Política.
— Nada distingue, no ponto, os danos morais individuais dos coletivos, que podem ser livremente buscados, independentemente da previsão do Estatuto do Anistiado — afirmou.
Além disso, Og destacou que a Lei da Ação Civil Pública fixa expressamente que essa via processual pode ser utilizada para obter a reparação de danos. Segundo o ministro, a obrigação de pedido de desculpas também encontra amparo na legislação, diante dos princípios da reparação integral do dano e da tutela específica.
— Quanto à pretensão de fornecimento dos dados de servidores que prestaram serviços ao DOI-Codi, tampouco se mostra inviabilizada pela Lei de Anistia. Trata-se de registros públicos, de caráter funcional, cujo acesso é assegurado à sociedade, inclusive por via administrativa, nos termos da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) — disse o ministro.
Crimes imprescritíveis
Ainda de acordo com o relator, ao contrário do que entendeu o TRF3, a jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que são imprescritíveis as ações civis fundamentadas em atos de perseguição política, tortura, homicídio e outras violações de direitos fundamentais cometidas durante o regime militar, independentemente do que tenha entendido a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou do que estabeleçam os tratados internacionais de que o Brasil é parte.
Em relação à cassação de aposentadoria, Og Fernandes considerou descabido que o acórdão do TRF3 tenha invocado a Lei de Improbidade Administrativa — norma não suscitada pelo MPF — para negar o pedido pela impossibilidade de retroação e, dessa forma, deixar de discutir a incidência das normas estatutárias efetivamente apontadas pelo autor da ação.
— Portanto, não há nenhum óbice apriorístico quanto às pretensões da parte autora. Assim, devem os autos retornar à origem, para prosseguimento da instrução — concluiu o ministro.