Caetano Veloso tem medo de barata. Declarou durante Narciso em Férias, documentário em que relata, de forma detalhada, como foram os 54 dias em que esteve preso pela ditadura militar, no final dos anos 1960. Um trabalho pontuado por revelações ora sentimentais, ora aflitivas. Os primeiros dias isolado numa solitária, sem entender a razão de ter sido detido. A caminhada no pátio com um guarda armado atrás dele, que o ameaçava de morte caso parasse ou conversasse com alguém. O alívio de sair da solitária e dividir uma cela com outros presos, sendo que alguns deles eram Perfeito Fortuna, Ferreira Gullar, Paulo Francis. A dor de escutar, por trás das paredes, os gritos dos torturados e de testemunhar a absurda prisão de um rapaz paraplégico que era homônimo de Antonio Callado. A informação, por fim, do “crime” que havia cometido: o de ter, supostamente, cantado o Hino Nacional em forma de paródia durante um show na boate Sucata, no Rio. O interrogatório, totalmente nonsense, o acusava de fazer música “desvirilizante” – nem o Aurelião conhecia essa palavra.
Durante a hora e meia que dura o filme, temos a oportunidade de escutar a narrativa franca e os temores de um artista de 26 anos cuja maior culpa era o de ser livre. É isso que dói. A liberdade é intolerável aos imbecis, que por não compreenderem o que se passa numa cabeça capaz de criar, transgredir e expandir a realidade, tentam aprisioná-la e impedi-la de contagiar outras pessoas. Naqueles anos de chumbo, nosso país tinha medo de gente que pensava. O medo do Brasil de hoje, qual seria? Dou-lhe uma, dou-lhe duas...
Medo das piadas do Porta dos Fundos, das imitações do Marcelo Adnet, das reportagens em frente a hospitais, de perguntas irrespondíveis, dos memes que se reproduzem aos milhares nas redes sociais, de forma criativa e insolente. Medo da reação diante do apogeu da mediocridade e de uma política “desraciocinante” (deu vontade de inventar um adjetivo também), imbuída em destruir qualquer possibilidade de evolução intelectual.
Parte do Brasil está desiludida com a outra parte, a que elege tementes a Deus – aliás, temor sem razão, já que Deus, salvo engano, é amor. Devemos temer é o fanatismo religioso. Temer a obsessiva reverência à família padrão, o que desautoriza a legitimidade de todas as outras. Temer a atrofia da mente e do espírito. Temer quem não pensa, apenas se deixa seduzir pela promessa de atingir o reino dos céus e outras abstrações alienantes. Esses, sim, são os perigosos, pois não se defendem com ideias, e, sim, com armas, insultos e repressão.
Barata é fichinha. Caetano contou sua história para repartir conosco o medo de insetos bem mais nocivos – e que estão se alastrando assustadoramente pelas frestas do país.