O plenário do Senado aprovou por 57 votos a 10, nesta quarta-feira (21), a indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ocupará a vaga de Celso de Mello, que se aposentou no último dia 13. Ele precisava de 41 votos favoráveis para que a indicação fosse aprovada. A votação foi secreta. Houve também uma abstenção.
Mais cedo, na Comissão de Constituição e Justiça, o seu nome foi aprovado por 22 votos a cinco, após uma sabatina de 10 horas.
A sabatina
Antes da votação na CCJ, houve uma sabatina que durou cerca de 10 horas. O desembargador evitou se posicionar diretamente sobre a prisão após condenação em segunda instância e o inquérito do STF que investiga fake news contra integrantes da Corte.
Logo no discurso inicial, pouco depois das 8 da manhã, Kassio levou ao debate o tema que mais lhe criou constrangimentos desde que teve o nome anunciado por Bolsonaro, o da sua formação acadêmica.
Acusado de turbinar o currículo com uma pós-graduação na Espanha e de cometer plágio na dissertação de mestrado, negou deslizes e normalizou "inconsistências".
Católico, o desembargador usou parte do início da sabatina para citar Deus e a Bíblia. Também buscou se dissociar das informações de lobby que o teria levado ao presidente da República, em razão de um suposto trânsito com o advogado investigado Frederick Wassef.
— Assisti a uma tentativa de adivinhação.
Segunda instância
Quando perguntado sobre segunda instância, Marques afirmou que o tema agora está com o Congresso Nacional. A possibilidade de prisão após condenação em segundo grau foi derrubada recentemente pela Suprema Corte. O Legislativo discute uma revisão na lei, mas há resistência de líderes políticos.
O magistrado declarou que somente se posicionaria concretamente sobre o tema se fosse convidado para uma audiência específica sobre o assunto. Em relação às prisões, ele disse ser necessário que as detenções decididas pela Justiça tenham decisão fundamentada. O magistrado defendeu, por exemplo, diferenciar casos de agressão de acusados sem antecedentes criminais.
O inquérito das fake news, por sua vez, fez parte de uma pergunta do senador Lasier Martins (Pode-RS), que emendou outros questionamentos na fala. O magistrado, porém, deixou sem resposta seu posicionamento sobre o processo.
Como integrante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e indicado para o Supremo, Marques afirmou que não poderia descumprir regras internas e comentar sobre processos em andamento na Justiça, sobre os quais pode ser responsável por julgar.
Lava-Jato
Pressionado por senadores lava-jatistas, o desembargador vestiu a camisa de "garantista" durante sabatina no Senado e negou que o perfil prejudique o combate à corrupção no país. Os garantistas costumam ser criticados pelos defensores da Operação Lava-Jato em função da característica contrária ao chamado punitivismo, o que acaba beneficiando a defesa de acusados em algumas ocasiões.
— O garantismo judicial nada mais é do que aquele perfil de julgador que garante as prerrogativas e direitos estabelecidos na Constituição — declarou Marques nesta quarta-feira. — Sim. Eu tenho esse perfil. O garantismo deve ser exaltado, porque todos os brasileiros merecem o direito de defesa.
Garantismo deve ser exaltado, porque todos os brasileiros merecem o direito de defesa
KASSIO MARQUES
Desembargador do TRF1
Na sabatina, o escolhido do presidente Jair Bolsonaro para vaga no Supremo defendeu o combate à corrupção como um "ideário essencial para que se consolide a democracia no País". Ele afirmou, porém, que o combate a ilegalidades não pode se concentrar em uma pessoa, mas deve ser aplicado de forma igual às instituições.
As primeiras três horas de sabatina foram de clima ameno entre os senadores e o magistrado. As questões mais duras vieram de parlamentares da ala lava-jatista, que questionaram Marques sobre as inconsistências em seu currículo, postura em relação à Operação Lava-Jato e decisões polêmicas - como a liberação de uma licitação para compra de lagosta no Supremo.
LGBT+
Provocado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) sobre o que pensa sobre os direitos já reconhecidos pela Justiça pela comunidade LGBT+, como casamento e adoção, o magistrado evitou polêmicas.
— Temos uma cultura jurídica no país. Há pacificação social no que diz respeito a isso. Compete ao Congresso transformar em norma — afirmou, sobre o fato de muitos desses direitos não estarem previstos em lei.
Aborto
Ao falar sobre o aborto, Kassio Nunes Marques disse que, no âmbito pessoal, é "um defensor do direito à vida". Ele disse que teve experiências familiares que o levaram a ter uma formação "sempre em defesa do direito à vida".
O desembargador disse que, a seu ver, "o Poder Judiciário já muito provavelmente exauriu as hipóteses (de aborto) dentro desta sociedade?". Ele avaliou que somente situações "inimagináveis" poderiam transformar a sociedade e provocar "tanto Congresso Nacional quanto o Poder Judiciário a promover modificações (sobre o aborto)".
Ele deu como exemplo o surgimento de uma nova doença como a zika, que tem o potencial de causar malformação em fetos. Kassio Nunes respondeu sobre o aborto após ser questionado por ao menos dois senadores que são contra a legalização do procedimento — Eduardo Girão (Podemos-CE) e Major Olímpio (PSL-SP).
"Clamor popular é para o Legislativo"
Na reunião, o desembargador afirmou ainda que a construção das normas legais é uma competência do Congresso, e não do Judiciário, e que o clamor popular deve ser expresso no Legislativo, e não no Supremo.
— Então, sem me remeter a algum tribunal, o meu perfil é a preservação das competências — disse o desembargador.
— A postura do magistrado hoje é aplicar a lei vigente e a Constituição vigente naquele momento, independentemente se isso vai satisfazer ou "insatisfazer" os anseios e o clamor popular naquele momento — acrescentou.
Em relação a prisões, o desembargador afirmou que as decisões precisam ser bem fundamentadas.
— Ela pode ser a regra, com exceção, mas que tenha uma decisão fundamentada — declarou o magistrado. O exemplo dado por Marques foi a de um "pai de família" que briga em um bar e provoca uma lesão corporal grave. Para ele, o tratamento dado não pode ser o mesmo a um acusado com antecedentes criminais.
Lagosta
O desembargador Kassio Nunes Marques tentou justificar a decisão dada por ele, em maio do ano passado, que liberou uma licitação do STF para compra de bebidas e refeições, incluindo lagostas. Na sabatina na CCJ, o magistrado declarou que esse tipo de contratação serve para "bem receber convidados" e que não abrange as refeições diárias dos ministros.
— Essa licitação não é para o almoço dos ministros, não é para o lanche dos ministros — disse. — Essa licitação é feita como existe em todas as instituições brasileiras, no Exército Brasileiro, não posso dizer porque eu não conheço se o Senado Federal também dispõe, para também bem receber convidados ilustres. Foi o que o Supremo fez. Ela foi inspirada em uma licitação do Ministério das Relações Exteriores.
Essa licitação (que incluiu lagostas) é para bem receber convidados ilustres
KASSIO NUNES
Desembargador do TRF1
O indicado foi criticado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) por autorizar a licitação. O parlamentar declarou publicamente que votará contra a indicação de Marques para o Supremo. Em resposta, o escolhido de Jair Bolsonaro para o STF afirmou que se deparou com o processo quando assumiu provisoriamente o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e que não julgou o mérito da ação.