Às vésperas da sabatina do desembargador Kassio Marques para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), ganha força no Congresso uma discussão para que os integrantes da Corte tenham mandato com prazo estabelecido. A proposta de emenda constitucional (PEC) é do senador gaúcho Lasier Martins (Podemos).
Pela PEC, os futuros ministros do Supremo passariam a ter mandato de 10 anos e, após este período, precisariam cumprir uma quarentena de cinco anos sem poder concorrer a cargos públicos e não poderiam ser reconduzidos à vaga.
Outra mudança prevê que o presidente da República escolha os ministros a partir de uma lista tríplice, a ser formada por um indicado pelo próprio STF, um pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e um terceiro nome indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Lasier destaca que sempre foi crítico ao atual modelo, que, segundo ele, permite situações “escandalosas”:
— Há um clamor muito forte para que se mude o sistema. Eu sempre achei que é um escândalo. Por exemplo, temos a nomeação do (Dias) Toffoli, que não passou nem em um concurso para juiz de Direito. A do Ricardo Lewandoswki, que era assessor jurídico do prefeito de São Bernardo e veio direto para ministro do Supremo. São coisas escandalosas — diz.
O senador lembra que, pela proposta, as mudanças valeriam apenas para os futuros ministros e não iriam interferir nas indicações que o presidente Jair Bolsonaro terá direito durante o mandato.
A reportagem de GZH conversou com juristas e advogados sobre a proposta, que tem sido vista como um avanço. O jurista Lênio Streck ressalta que a proibição de recondução ao cargo evitaria que o ministro “trabalhe” pensando nessa possibilidade:
— A PEC torna a indicação de ministro mais plural. Considero que o mandato de 10 anos e uma quarentena de cinco também é saudável. Não permitir a recondução também parece adequado, para evitar que o ministro “trabalhe “ por ela.
Para o advogado Marcelo Peruchim, a proposta aprimoraria o que está previsto na Constituição:
— A ideia trazida nesta PEC é um avanço em relação ao modelo atual. Há outras ideias possíveis, porém inegavelmente aprimoraria o que hoje está previsto na Constituição, oxigenando o Supremo e democratizando a indicação dos nomes na lista tríplice.
O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, lembra que sempre defendeu mandato para os ministros do Supremo e aprova a ideia de quarentena para que a corte não acabe sendo usada como um trampolim político:
— A ideia da PEC me parece boa. O mandato de 10 anos eu sempre defendi. Acho que é ruim ter um ministro que possa ficar lá 30 anos, 35 anos, como já temos precedentes. A questão da inelegibilidade por cinco anos também é interessante. A pessoa poderia sair do Supremo, se for o caso, dar parecer, trabalhar, mas não poderá fazer do Supremo um trampolim político. Nós temos na história recente vários ministros que pensaram assim. O ministro Joaquim Barbosa saiu mais cedo porque achou que seria presidente da República:
Kakay, no entanto, diz ter dúvidas sobre a necessidade de uma listra tríplice.
— Acho que o sistema que nós temos hoje, em que o Executivo indica e o Senado aprova, já é um filtro interessante. Nós temos que ter, parece que nos últimos tempos nós temos tido, é uma atuação mais vigorosa do Senado Federal. Até muito pouco tempo atrás, as aprovações eram proforma, hoje não. Hoje você tem as audiências do Senado para aprovação que duram oito horas, 10 horas, com perguntas sérias, com questionamentos de fundo. Então, não acho que necessariamente deva mudar e fazer uma lista tríplice.
O constitucionalista Eduardo Carrion vai além e questiona se é necessário mudar o modelo ou as práticas que são adotadas:
— Entendo que não esteja bem como está. Mas é necessário mudar o modelo ou sobretudo as práticas, embora mantendo o modelo? Aval do Senado meramente formal? Decisões monocráticas? Depende também do sistema de governo: presidencialismo ou parlamentarismo. Qualquer dos dois modelos principais pode funcionar razoavelmente dependendo dos elementos (regras, práticas ...) que o compõem.
A PEC do senador Lasier Martins já teve relatório favorável apresentado pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG) e este está pronto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Mas, em razão dos trabalhos das comissões estarem suspensos devido à pandemia da covid-19, a proposta está parada. Lasier acredita que após o primeiro turno das eleições a CCJ possa retomar os trabalhos:
— A presidente (da CCJ) Simone Tebet tem a maior boa vontade de colocar em pauta. Ela vem querendo voltar a CCJ há algum tempo. Acredito que após a eleição, em 15 de novembro, isso possa ocorrer.