Com mudanças pontuais na proposta original, o governador Eduardo Leite protocolou nesta segunda-feira (10), na Assembleia Legislativa, os três projetos que compõem a reforma tributária do Estado. As alterações significarão queda de R$ 150 milhões na arrecadação ao ano, que é de R$ 40 bilhões. Está mantido o aumento de IPVA. Apresentados em regime de urgência, os textos passam a trancar a pauta de votações em 30 dias.
A partir de sugestões de entidades setoriais, Leite decidiu acelerar a redução da alíquota básica de ICMS (de 18% para 17%) ainda em 2021 — e não mais de forma escalonada até 2023. Também optou por manter os refrigerantes na faixa geral de 17% (o percentual seria ampliado para 25%, na mesma categoria das bebidas alcoólicas) e aceitou fazer modificações em outros quatro itens, entre eles as contribuições para o Fundo Devolve-ICMS, que alimentará a devolução de ICMS para famílias de baixa renda (veja abaixo).
Para compensar as perdas, o governador manteve a intenção de elevar o IPVA e o imposto sobre heranças e doações (ITCD), mesmo sabendo que enfrentará resistências. Sem isso, as perdas anuais poderiam chegar a R$ 3 bilhões.
Se a reforma for aprovada, será a mais ampla revisão já feita no Rio Grande do Sul. A maior parte das modificações integra um único projeto de lei ordinária, que necessitará apenas de maioria simples para aprovação.
Na proposição, estão, ainda, iniciativas como o fim da desoneração de produtos da cesta básica e a extinção de isenções fiscais (veja os principais pontos abaixo). Os outros dois projetos protocolados são voltados a estimular os contribuintes a ficarem em dia com o Fisco. Um cria o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária (Nos Conformes RS), cujo objetivo é facilitar o cumprimento das regras, e o outro institui o Código de Boas Práticas Tributárias do Estado, para facilitar acordos entre a Receita Estadual e diferentes setores.
Ao iniciar a apresentação a jornalistas, às 10h, Leite elogiou as mais de 30 contribuições recebidas nas últimas semanas de associações ligadas a diferentes ramos da economia e disse que ainda há espaço para discussões. Apesar disso, deu a entender que, se os deputados rejeitarem a elevação do IPVA, será necessário buscar outra forma de compensação.
— Há toda uma disposição de discutir com a Assembleia agora. Aí entram todas as contribuições que os deputados queiram fazer, inclusive as do IPVA. Toda essa discussão precisa ser feita com um olhar para os números, com as consequências do que a gente venha a fazer. Vamos compensar o impacto de que forma? No ICMS? Nos parece pouco lógico — ponderou o governador.
Leite voltou a dizer que, no conjunto da reforma, o aumento do IPVA será diluído e remediado com outras medidas, em especial a redução no ICMS de itens como energia elétrica, telefone celular, internet, álcool e gasolina. Para demonstrar a tese na prática, anunciou o lançamento de três simuladores no site do governo do Estado, voltados a famílias, a motoristas de aplicativos e a prefeituras.
— Na estrutura da reforma, o pagamento a mais de IPVA para a grande maioria da população vai ser compensado em muitas vezes com a redução do custo do combustível. Vamos reduzir de um dia para o outro a alíquota de 30% para 25%, o que vai reduzir em cerca de R$ 0,30 o litro da gasolina, lembrando que o IPVA se paga uma vez ao ano e o combustível, uma vez ao mês — ressaltou.
Sobre o impacto final na carga tributária geral, Leite disse que, em 2010, o ICMS representava 7,42% do PIB do Estado, que ocupava, segundo ele, a 14ª posição entre as unidades da federação. Em, 2019, o percentual era de 7,63%, o que colocava o Rio Grande do Sul em 21º lugar. Leite garantiu que o peso voltará ao patamar de 2010.
— Não é verdade que o Estado tem uma carga de ICMS maior do que outros Estados, nem é a maior do Brasil, nem é maior do que a de Santa Catarina, por exemplo. Em ICMS, a nossa carga vai reduzir. A receita de ICMS vai cair perto de R$ 1 bilhão. De 7,63%, vamos voltar para 7,42%. No conjunto total (considerando ICMS, IPVA e ITCD), o Rio Grande do Sul tinha 8,16% e hoje tem 8,42%. E essa carga não vai se alterar, porque a nossa proposta não aumenta carga tributária — reforçou Leite.
Por trás das modificações está o fim da elevação do ICMS, aprovada em 2015, prorrogada em 2018 e válida até 31 de dezembro deste ano, com impacto de R$ 3 bilhões nas finanças estaduais — 75% do valor fica com o governo do Estado e 25%, com as prefeituras. Se nada fosse feito, esse seria o tamanho do buraco nas contas. Caso os parlamentares aprovem os três projetos sem alterações, a lacuna será bem menor, de R$ 150 milhões.
Agora, o desafio do governo é convencer a opinião pública — e os deputados que votarão as propostas — de que vale a pena mudar o sistema. Ao encerrar a entrevista coletiva virtual, minutos antes de atravessar a rua em direção à Assembleia, Leite disse que espera obter a chancela legislativa na segunda quinzena de setembro.
— Julgo o ambiente político favorável às reformas como um todo. E julgo isso a partir da realidade que tivemos até aqui. Essa Assembleia aprovou as privatizações, um novo código de meio ambiente, uma reforma da Previdência mais profunda do que as de outros Estados, uma reforma nas carreiras do serviço público com a revisão de benefícios e vantagens conferidos ao servidor. Tem sido uma Assembleia comprometida com reformas para o futuro do Estado — destacou o governador.
Principais pontos da proposta e o que mudou
1) Redução de ICMS
- O modelo atual de tributação no RS tem cinco alíquotas básicas (12%, 18%, 20%, 25% e 30%) e a proposta é reduzir para duas (17% e 25%), para simplificar o sistema
- Hoje, a alíquota geral é de 18%. Ela foi elevada em 2015, com vigência até dezembro deste ano. A partir de janeiro, se a proposta for aprovada, cairá para 17%.
- O que mudou: originalmente, a redução de 18% para 17% ocorreria de forma escalonada até 2023
- A outra alíquota, de 25%, diz respeito a combustíveis (álcool e gasolina), telecomunicações, energia elétrica, entre outros produtos. Hoje, ela é de 30%. Passará a 25% em janeiro de 2021, também sem transição.
- Com isso, na prática, itens como gasolina, álcool, conta de internet e de luz terão a tributação reduzida. Já o gás de cozinha, que hoje tem carga menor, sofrerá aumento.
- Os refrigerantes passarão a ser tributados com alíquota de 17%, mais 2% para o Fundo de Proteção e Amparo social do Estado (Ampara-RS). Hoje, a alíquota é de 20%
- O que mudou: na proposta original, refrigerantes entrariam na faixa de 25%
2) Aumento de IPVA e redução de isenções
- Previsão de elevação de alíquota de 3% para 3,5% para automóveis e camionetas
- Passarão a ser isentos veículos com mais de 40 anos, e não com mais de 20 anos, como é hoje. Isso ampliará o percentual de pagantes de 54% para 75%
- Redução do valor mínimo do IPVA de quatro Unidades de Padrão Fiscal (UPF) para até uma UPF (atualmente, no valor de R$ 20,30)
- Redução dos benefícios do Bom Motorista: com três anos sem infrações, o desconto cairá de 15% para 5%; dois anos sem infrações, de 10% para 3%; e um ano sem infrações, de 5% para 2%
- Lei estadual para emplacamento obrigatório no RS
- IPVA Verde: a isenção já existente para os veículos elétricos será estendida para os veículos híbridos até 2023. Também haverá isenção por dois anos do IPVA na compra, até 2023, de novos ônibus e caminhões e isenção por quatro anos de ônibus novo com características de biossegurança
- Conforme o governo, o impacto das novas alíquotas e das demais medidas na arrecadação chegará a R$ 744 milhões anuais a partir de 2021
O que ficará como é hoje
- Não há mudanças no diesel (a carga permanece 12%)
- Não há mudanças no IPVA de motos e caminhões (alíquotas de 2% e 1%, respectivamente)
- Seguem as isenções para táxi, lotação, ônibus, transporte escolar, lotação, veículo de instituições sociais
- Não aumentam os custos do transporte público urbano
- Não há mudança nos custos do transporte de carga
3) Aumento de ITCD
- Esse imposto incide sobre a transferência gratuita de bens móveis ou imóveis e também de direitos, incluindo a sucessão (causa mortis). Hoje, as alíquotas chegam, no máximo, a 6%
- A proposta é adotar faixas de alíquotas progressivas para causa mortis de 7% e 8% (hoje o máximo é 6%) e de alíquotas progressivas para doações de 5% e 6% (hoje o máximo é 4%).
- Além disso, passará a ser prevista de forma explícita na lei a incidência de ITCD com Substituição Tributária (um tipo especial de regime de tributação) sobre planos de previdência privada
- O que mudou: o governo aceitou sugestão de isentar de ITCD áreas de preservação ambiental
4) Criação do Fundo Devolve ICMS
- A ideia é criar o chamado Fundo Devolve-ICMS, que será formado com recursos proporcionais aos benefícios concedidos pelo Estado.
- Com isso, o objetivo é financiar uma política de devolução de ICMS para famílias de baixa renda (veja os detalhes a seguir), além de garantir verbas para investimentos em infraestrutura, relacionados à atividade agropecuária, por exemplo
- Para alimentar o fundo, empresas que têm créditos presumidos (destinados a atrair investimentos e a estimular setores da economia) serão chamadas a repassar 10% sobre o valor do benefício. A maioria é do setor agropecuário
- O que mudou: após diálogo com a Federação da Agricultura do Estado (Farsul), o governo decidiu excluir da contribuição alguns itens beneficiados por créditos presumidos, como produtos da cesta básica e vinho, além de insumos pecuários como ração, embriões e milho, entre outros.
- Também foi reduzida a participação do setor de laticínios no fundo
5) Devolução de ICMS para famílias de baixa renda
- A iniciativa consiste em devolver parte do ICMS a famílias com menor renda (de até três salários mínimos, que correspondem 1,1 milhão de famílias, 30% do total)
- Essas famílias terão de estar no Cadastro Único (do governo federal) e registradas no programa Nota Fiscal Gaúcha
- Receberão restituição mensal com valor fixo mínimo de 15% a 40% do ICMS pago (pelo menos R$ 30). O valor poderá ser ampliado, conforme o consumo da família, a partir do controle das notas fiscais eletrônicas, e terá um teto
- A intenção é de que a medida seja implementada gradativamente, começando pelas famílias com renda de até um salário mínimo
- O que mudou: ficou definido que dinheiro será depositado mensalmente no cartão BanriCard, do Banrisul, sem cobrança de taxa administrativa e aceito em 143 mil estabelecimentos com a máquina Vero
6) Redução da alíquota efetiva para compras internas
- Para diminuir custos de empresas e aumentar a competitividade, o governo propõe a redução do ICMS pago nas operações internas (quando uma empresa daqui compra algum produto de outra empresa gaúcha) de 18% para 12% a partir de 2021
7) Fim do imposto de fronteira
- O governo prevê o fim do Diferencial de Alíquotas de ICMS (Difal), mais conhecido como imposto de fronteira, uma antiga reivindicação que inclusive foi aprovada na Assembleia em 2013, mas nunca entrou em vigor. Isso valerá a partir de 2022
- O que mudou: a pedido de entidades, para proteger as empresas gaúchas, será cobrado o Difal apenas quando um produto de outro Estado vier com alíquota efetiva inferior à do RS para o mesmo produto, como no caso de importados
8) Revisão do Simples Gaúcho
- O programa que oferece facilidades a micro e pequenas empresas será reformulado
- Em 2021, será mantida a isenção para os cerca de 200 mil empreendimentos que faturam até R$ 360 mil por ano. Mas, a partir de 2022, isso valerá somente até a faixa de R$ 180 mil anuais, mantendo a isenção para 160 mil empresas
9) Extinção parcial de isenções e reduções de base de cálculo
- A reforma prevê a extinção da maior parte dos benefícios concedidos na forma de Redução de Base de Cálculo (RBC).
- Isso envolverá, por exemplo, as cestas básicas de alimentos e de medicamentos, a erva-mate e as carnes temperadas. O impacto é estimado em R$ 663 milhões ao ano para o Estado
- Quanto às isenções fiscais, deixarão de ter o benefício os seguintes produtos: hortifrutigranjeiros, pão francês e massa pronta para seu preparo, leite pasteurizado tipos A, B e C, maçãs, peras, ovos, flores naturais e preservativos. O impacto é de R$ 841 milhões anuais. O fim da isenção será gradativo, com transição até 2023
- Ao mesmo tempo, para a maior parte desses produtos, haverá a redução da alíquota geral, de 18% para 17%
10) Respeito aos contratos
- Não há mudanças nos contratos firmados para investimentos no RS
- Não há mudanças nas regras de benefícios concedidos por programas como Fundopem e Fomentar
- Benefícios que expiram em dezembro de 2020 serão renovados por tempo indeterminado
- O RS continuará com uma política de desonerações em apoio a setores econômicos
11) Incentivo ao e-commerce
- Na versão final da proposta, o governo decidiu igualar o tratamento tributário dado por outros Estados a operações desse tipo
- Assim, transações que destinem mercadorias para consumidor final não contribuinte serão beneficiadas com crédito presumido e redução de ICMS, dependendo do tipo
- Produtos importados, com saídas interestaduais tributadas a 4%, terão redução para cerca de 1%; e produtos nacionais, com saídas interestaduais tributadas a 12% ou 7%, terão redução para cerca de 2%