Na primeira rodada de discussões da reforma tributária do Estado, o governador Eduardo Leite apresentou, nesta terça-feira (14), os pilares da proposta que deverá ser encaminhada à Assembleia Legislativa entre o final deste mês e o início de agosto. Em videoconferência, Leite disse ter convicção de que a mudança "vai estimular investimentos privados", revelou a intenção de rever desonerações do IPVA (hoje, 46% da frota é isenta) e confirmou que irá cortar benefícios fiscais, "algo que há muito tempo o Estado debate". O corte será gradual.
Segundo o governador, há setores "super onerados e outros sub-onerados", o que precisa ser corrigido. Leite reconheceu que poderá haver descontentamentos, mas disse que é necessário olhar o todo. Na avaliação dele, o conjunto de alterações resultará em ganhos de competitividade.
— Temos a convicção de que nosso modelo vai estimular investimentos privados, tanto pela simplificação quanto pela desoneração de cadeias produtivas. Vamos rever benefícios fiscais, porque temos benefícios de pouca eficiência, que acabam sendo de grande custo, e teremos foco na redução do ônus das famílias, em especial as de baixa renda. Vamos avançar naquilo que entendemos justo, tributando mais o patrimônio do que o consumo e a produção — resumiu.
Ao iniciar a apresentação, o chefe do Executivo estadual deixou claro que não entraria em detalhes — os pormenores serão divulgados apenas na quinta-feira (16), em um segunda etapa. A apresentação se resumiu à explanação do que Leite chamou de "conceitos básicos". A principal preocupação do mandatário é ser compreendido.
— Por que fazer uma reforma tributária? Em primeiro lugar, precisamos modernizar o sistema. Existe uma discussão amadurecida nacionalmente, de que essa mudança é urgente. Apoiamos a reforma nacional, mas não podemos ficar apenas na expectativa. Se acontecer, haverá um tempo de transição. Não podemos esperar esse tempo. O Rio Grande do Sul precisa avançar mais rapidamente para se tornar competitivo — destacou Leite.
Conforme o governador, a reforma terá três pilares:
- Auxiliar no equilíbrio fiscal do Estado
- Tributar melhor
- Promover tributação mais justa
Parte das modificações decorre da necessidade de compensar perdas de ICMS, com o fim da majoração de alíquotas, em 31 de dezembro deste ano. A elevação foi aprovada no governo de José Ivo Sartori e prorrogada a pedido de Leite, com a promessa de que não voltaria a ocorrer.
Por trás das alterações, há a preocupação em equalizar o prejuízo, estimado em R$ 3 bilhões por ano. Parte desse valor (25%) fica com as prefeituras e o parte (75%) com o Estado, que precisa do recurso para manter atividades em áreas essenciais. Apesar disso, Leite garantiu que as medidas propostas não se traduzirão em "aumento da carga tributária sobre o PIB". Uma das formas de fazer a equalização será reduzindo as isenções fiscais e revendo benefícios concedidos a empresas e setores.
— É claro que são pontos sensíveis e que gerarão debates, mas temos a convicção de que, no conjunto da obra, se você tivesse apenas o fim das isenções, sem contrapartidas de estímulo à competitividade, haveria críticas, e com razão. Mas estamos propondo algo que no final vai gerar ganhos em competitividade — argumentou.
Leite reconheceu que "a melhor reforma seria aquela em que todos pagassem menos", o que hoje, segundo ele, é impossível, porque é preciso arcar com os custos da máquina pública.
— Não nos faltariam argumentos para levar à Assembleia a prorrogação das atuais alíquotas, inclusive porque há uma projeção de maior demanda por serviços públicos de saúde e educação, mas não é o que consideramos mais adequado — disse o governador.
Alterações no IPVA
No caso do IPVA, no Rio Grande do Sul, são livres de tributação veículos com mais de 20 anos. Em outras unidades da federação, isso vale apenas para casos com mais de 30, 35 ou 40 anos. Leite não foi explícito, mas deu a entender que proporá a ampliação do teto.
— Quando vocês olharem nas ruas, há uma chance de quase 50% dos veículos não estarem pagando IPVA. Veículos com mais de 20 anos são a maior parte deles. Isso é diferente em muitos Estados. Esse ponto que é importante ser ressaltado — sintetizou.
Outra medida no horizonte é a intenção é "alinhar as alíquotas praticadas no Rio Grande do Sul com as de outros Estados", o que valerá, também, para o ITCD, imposto sobre heranças e doações. Quanto ao IPVA, em Estados como Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, a alíquota para automóveis é de 4%. Aqui, é de 3%. Em relação às heranças, varia de 3% a 6% entre os gaúchos, enquanto que em alguns lugares, entre eles Santa Catarina, chega a 8%.
Simplificação e justiça
Em diferentes momentos da apresentação, o governador reforçou o desejo de reorganizar o sistema e de torná-lo menos complicado. Na avaliação dele, essa também é uma forma de atender a antigas demandas de diferentes setores produtivos.
— A combinação de múltiplas alíquotas com múltiplas isenções gera infinitas possibilidades e torna especialmente complexa a gestão tributária. Isso gera custo elevado às empresas, que precisam ter grande número de pessoas dedicadas a isso, e gera insegurança jurídica e alto nível de judicialização. Risco é custo, e custo elimina investimentos. Paga-se um preço por essa complexidade — complementou.
Ao defender a ampla revisão do atual modelo, o governador falou pelo menos três vezes na urgência de cobrar menos de quem ganha menos:
— Em vez de se gerar a desoneração para o público que se deseja beneficiar, o Estado, ao longo do tempo, gerou desoneração a produtos que julga que são consumidos pela população de baixa renda, só que esses produtos também são consumidos por pessoas de alta renda. De outro lado, você tem a oneração de itens consumidos pelos dois, como a energia elétrica e as telecomunicações. Há uma ineficiência do ponto de vista de apoio à população mais pobre.
Mudanças com transição
Embora os textos da reforma estejam praticamente prontos desde março, Leite ressaltou que o conteúdo foi adaptado à nova realidade desencadeada pela pandemia do coronavírus, com o avanço da crise econômica:
— Evidentemente, a pandemia também foi observada quando analisamos e buscamos compensar alguns setores, até com um fator de transição, mas, além disso, entendemos que é fundamental construirmos um ambiente melhor de negócios para a retomada mais rápida. Os efeitos da pandemia não serão superados com o simples fim do distanciamento social.
O objetivo do Palácio Piratini é de que os textos sejam votados até o final de setembro e entrem em vigor a partir de 1º de janeiro de 2021.
Por que Leite quer mudar o sistema
Na campanha eleitoral, Eduardo Leite defendeu a prorrogação das alíquotas majoradas de ICMS* até 2020 e se comprometeu a reformular o sistema tributário para reduzir as alíquotas e recuperar a competitividade do Estado.
*Alíquotas elevadas
Em 2015, o governador José Ivo Sartori propôs a ampliação de alíquotas de ICMS para fazer frente à crise. O pedido foi aprovado na Assembleia, com prazo até 31 de dezembro de 2018, mais tarde prorrogado para 31 de dezembro de 2020.
Qual é a principal dificuldade
Com o fim da majoração, o Estado perderá cerca de R$ 3 bilhões em arrecadação bruta por ano. Desse valor, por lei, 25% ficam com os municípios e 75%, com o governo estadual. Em 2019, isso representou, para o Estado, cerca de R$ 2,2 bilhões, o equivalente 1,8 folha líquida do Executivo. A principal dificuldade de Leite é cumprir a promessa e, ao mesmo tempo, não perder receita.
Como será a proposta
Os detalhes ainda não foram divulgados. O que se sabe é que a proposta inclui:
- Redução de alíquotas de ICMS para no máximo duas
- Corte de incentivos fiscais
- Diminuição de benefícios sobre produtos de consumo
- Redução da tributação para famílias de baixa renda
- Estímulos para atrair novas tecnologias e práticas que preservem o meio ambiente
ICMS
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é o principal tributo estadual. Praticamente todas as operações comerciais têm incidência de ICMS, como a compra de combustível, alimentos, bebidas e de eletrodomésticos e a aquisição de serviços, dos transportes às telecomunicações. A arrecadação bruta de ICMS do Estado em 2019 foi de R$ 36 bilhões (80% de toda a receita tributária).
Alíquotas de ICMS em vigor no RS
1) Nas operações interestaduais com mercadorias ou prestações de serviços: 4% (sobre produtos importados), 7% ou 12% (dependendo de onde estiver o destinatário).
2) Nas operações internas com mercadorias ou prestações de serviços: 12%, 18%, 20%, 25% e 30%, conforme o produto ou serviço. Esses percentuais podem ser alterados via Assembleia, ao contrário dos índices citados no item 1, sobre os quais o Estado não tem ingerência. É no ICMS sobre operações internas que o governo do Estado deve promover as alterações.