Inconformados com novas restrições à atividade econômica impostas pelo governo estadual diante do avanço da pandemia, prefeitos passaram a segunda-feira (15) tentando convencer o governador Eduardo Leite a revisar as classificações que tingiram de vermelho os municípios de Serra, Região Central, Fronteira Oeste e Missões.
Alguns administradores chegaram a convocar ato de desobediência coletiva e receberam como resposta ameaças de responsabilidade criminal por eventual descumprimento das novas regras de distanciamento. À tarde, sucessivas reuniões da cúpula do Piratini com as associações de municípios buscaram apaziguar os ânimos.
No início da noite, o gabinete de crise do governo se reuniu para discutir se haveria revisão na cor das bandeiras. O tema seguirá sendo debatido na terça (16), quando deverá ser anunciada uma decisão sobre as considerações feitas pelos prefeitos das regiões com bandeira vermelha. O governador Eduardo Leite apresentou os motivos para as mudanças de bandeira, os prefeitos da região pediram flexibilização e ofereceram ajuda para tentar mais equipamentos para leitos. O governo ficou de analisar os pleitos e dar retorno.
Após reunião com Leite, os integrantes da Associação dos Municípios da Fronteira Oeste (Amfro) devem aguardar qual será o encaminhamento do governo estadual após as reuniões com os representantes das regiões que entraram na bandeira vermelha, segundo o prefeito de São Gabriel, Rossano Gonçalves. Por enquanto, segue a decisão anterior.
— Amanhã à tardinha, nós estamos prevendo uma reunião de todos os prefeitos da Fronteira Oeste para analisar a possível resposta do comitê de crise e a partir daí tomar uma nova decisão — explicou Gonçalves.
Presidente da Associação dos Municípios da Região Centro (AM Centro), o prefeito de Tupanciretã, Carlos Augusto Brum de Souza, afirma que os prefeitos da região discordam da posição do governo, mas devem acatar as medidas. Souza afirmou que o governador Eduardo Leite, em reunião com os prefeitos da região na tarde desta segunda-feira, apresentou os motivos pela bandeira vermelha na área.
Um dia de negociações
Desde o final da manhã, Leite já adiantava que só estava disposto a ceder diante de algum caso de incorreção nos dados que norteiam o sistema. O Estado utiliza 11 indicadores para estabelecer o grau de risco de cada região.
Mesmo diante da reação indignada de prefeitos e empresários, o governador considera fundamental manter os critérios, sobretudo diante da rapidez com que os leitos hospitalares estão sendo ocupados por pacientes de covid-19.
Diante da pouca margem para mudanças, prefeitos correram para checar a exatidão dos dados do governo estadual. Nas Missões, o prefeito de 16 de Novembro, Ademir Gonzato, alega que a região tem cinco casos, e não 15, como apontado na planilha do governo. Em Santa Maria, o prefeito Jorge Pozzobom afirma ter disponibilizado sete novos leitos de UTI na sexta-feira, mas que acabaram cadastrados junto ao Estado na tarde de sábado, ficando de fora da contagem considerada para a classificação de risco:
— Sem esses leitos, nosso índice de ocupação é de 75%, mas com eles cai para 55%. Faz diferença enorme e confio que o governador vá levar em consideração para que retornemos à bandeira laranja.
Em Uruguaiana, Ronnie Mello se nega a incluir no sistema oito leitos de UTI desocupados. Considera “irresponsabilidade” colocar a estrutura à disposição de toda região, diante da demanda de uma população de 127 mil habitantes e do constante trânsito de pessoas:
— Eles que tratem de nos mandarem os 10 leitos de UTI que se comprometeram conosco. Querem fazer cortesia com o chapéu alheio.
Revolta
Apesar de o Piratini abrir canal de diálogo, o clima foi tenso todo o dia. A reação começou no final de semana, com os prefeitos discutindo em grupos de WhatsApp formas de agir. Pressionado, o líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP), falou com Leite no domingo. Uma reunião logo no alvorecer de segunda buscou pacificação. Mas Leite não escondia a irritação com o comportamento dos prefeitos, surpreendendo até assessores próximos acostumados com a forma paciente de lidar com problemas. Logo cedo, a declaração do procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, de que haveria criminalização da conduta dos prefeitos, criou mais polêmica.
— Confiamos na Justiça — rebateu, na ocasião, o prefeito de São Gabriel, Rossano Gonçalves.
Na sequência, a ameaça de Costa foi endossada pelo chefe do Ministério Público (MP), Fabiano Dallazen. Embora tenha assegurado disposição para o diálogo, o procurador-geral de Justiça convocou reunião com os promotores das regiões afetadas. À noite, o MP informou que notificará prefeitos para que cumpram as restrições e que os municípios terão 48 horas para declarar ao órgão como estão se adequando às medidas.
O governo estadual pode até rever eventuais incorreções na classificação das bandeiras, mas auxiliares de Leite entendem que já houve flexibilização na semana passada, quando o Piratini permitiu que municípios com bandeira laranja montem modelos próprios de ocupação de espaços, o que na prática relaxou o distanciamento. Embora o decreto tenha sido concebido para atender quase que especificamente as circunstâncias da Capital, houve críticas ao ambiente de maior liberalidade.
Com a interiorização cada vez maior da pandemia, Leite entende que não há margem para recuos que possam causar colapso do sistema hospitalar.
Situações ao longo do dia
Serra
Caxias do Sul teve protesto de donos de restaurantes na frente da prefeitura na parte da manhã. Parte dos empresários da cidade preferiu aguardar decisão mais concreta para decidir se interrompe ou não as atividades. A maior parte das salas comerciais no centro estava com as grades abaixadas e o fluxo de pessoas era pequeno. Algumas lojas decidiram abrir pela manhã.
Em Vacaria, o prefeito Amadeu Boeira disse que o município optou por manter os estabelecimentos abertos e “pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal”.
Em Farroupilha, o comércio amanheceu aberto, com movimentação semelhante à verificada nas últimas semanas. O prefeito Pedro Pedroso nega que tenha orientado os comerciantes a abrir, mas discorda da bandeira vermelha.
O prefeito de Antônio Prado, Juarez Santinon, afirma que o município acatará as medidas de fechamento, mas que a intenção é reverter o quadro.
Nova Pádua, sem qualquer caso de coronavírus, acatou a decisão e amanheceu com o comércio fechado. Porém, o prefeito Ronaldo Boniatti ressalta que o objetivo é convencer o governo a retornar à bandeira laranja.
A Associação dos Municípios de Turismo da Serra (Amserra) elaborou documento no qual solicita que Gramado, Nova Petrópolis, Canela, Santa Maria do Herval e Picada Café, além de São Francisco de Paula e Cambará do Sul estejam na bandeira amarela. Em Gramado, ontem, restaurantes e lojas fecharam as portas.
Confira entrevista com o prefeito de Cambará do Sul, Schambarlen José Silveira
Fronteira Oeste
Discordando dos demais municípios da Fronteira Oeste, o prefeito de Santana do Livramento, Solimar “Ico” Charopen Gonçalves, anunciou que irá respeitar as restrições da bandeira vermelha e impôs toque de recolher entre 22h e 5h desde ontem. Além disso, contesta a inclusão da cidade na mesma área de outros municípios, como Uruguaiana. Outros 10 gestores municipais da região, no domingo, anunciaram o descumprimento das diretrizes preconizadas na bandeira vermelha.
Confira entrevista com o prefeito de São Borja, Eduardo Bonotto
Missões
Os prefeitos das 26 cidades que integram da Associação dos Municípios das Missões (AMM) decidiram não cumprir a determinação do governo do Estado na troca da bandeira laranja para vermelha. A mudança da cor obrigaria que o comércio fechasse, mas os responsáveis pelas prefeituras não concordam.
Nesta segunda, o comércio não-essencial dessas cidades seguiu aberto. O presidente da AMM e prefeito de Dezesseis de Novembro, Ademir Gonzatto, diz que foi pedida a revisão dos dados estaduais.
Nordeste
Conforme José Carlos Breda, prefeito de Cotiporã e presidente da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne), que representa os municípios da Serra Gaúcha, afirma que a reunião foi dura e que os prefeitos foram contundentes ao questionar o que chamou de “tecnicismo” do governador Eduardo Leite.
— O governo do Estado está se agarrando muito a estes números como se fosse a coisa mais perfeita do mundo. Aqui não é esta realidade (que o governo estadual identifica), os números estão caindo — garantiu, ao defender que o número de curados está subindo e há queda no ritmo de contágio.
Ele afirma que o governo estadual concordou em informar com antecedência quando as regiões tivessem mudança de bandeira e que analisará o pedido dos municípios para que os critérios das bandeiras sejam revistos.
Confira entrevista com o prefeito de Itaqui, Jarbas Martini
Região Central
Presidente da Associação dos Municípios da Região Centro (AM Centro), o prefeito de Tupanciretã, Carlos Augusto de Souza, afirma que os prefeitos da região discordam do governo, mas devem acatar as medidas.
Souza destacou que os prefeitos pleitearam junto ao governador a possibilidade de flexibilizar a abertura do comércio e ofereceram ajuda na busca por equipamentos para leitos.
— O Pozzobom (prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom) apresentou que nesse cálculo (do governo) não estavam incluídos os sete leitos novos do covid-19.
Ao reforçar o entendimento de que as determinações estaduais serão seguidas mesmo com eventual manutenção da bandeira vermelha, Souza destaca que o possível descumprimento seria alvo de ação do Ministério Público.
*Colaboraram: Anderson Aires, Débora Ely, Eduardo Matos, Erik Farina, Gabriel Jacobsen, Laura Becker e Milena Schafer