O Ministério Público (MP) e o Ministério Público de Contas (MPC) abriram procedimentos fiscalizatórios, nesta terça-feira (19), após a publicação de reportagem sobre o possível sobrepreço de até R$ 266,1 mil praticado na contratação de 12 técnicos de manutenção para três hospitais de campanha montados em Canoas para o enfrentamento da pandemia de coronavírus.
O MP informou que a promotoria de Canoas que atua em casos de improbidade administrativa abriu expediente investigatório para reunir documentações relacionadas à contratação da empresa terceirizada, feita com dispensa de licitação. No primeiro momento, a promotoria irá oficiar o município para que sejam apresentadas informações sobre os valores. Depois, outras diligências poderão ocorrer.
Já o MPC, que se reporta ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), instaurou procedimento preliminar para averiguar os fatos. Foi enviado ofício ao prefeito Luiz Carlos Busato com a solicitação de informações e cópia do processo administrativo que culminou na assinatura do contrato com a empresa Impacto Vento Norte Produções Técnicas. O MPC deu prazo de dois dias úteis para que a prefeitura se manifeste.
O caso
A prefeitura de Canoas contratou 12 técnicos de manutenção, ao custo mensal de R$ 10,5 mil cada, para atuar nas 24 horas do dia, divididos em turnos de oito horas, em três hospitais de campanha construídos para o enfrentamento da pandemia de coronavírus no município. Dois deles são anexos às UPAs Boqueirão e Rio Branco, enquanto o terceiro fica junto do Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG).
Por mês, a prefeitura gasta até R$ 126 mil com esses profissionais, destacados para estarem permanentemente à disposição para reparos em luminárias, tomadas, fiações, encanamentos hidráulicos e nos aparelhos de ar-condicionado — eles não fazem manutenção em equipamentos médicos, como respiradores e outros itens de UTI.
Ao longo dos três meses de contrato, o custo será de até R$ 378 mil. Esse valor representaria possível sobrepreço de R$ 266,1 mil em relação ao custo que a contratação desses profissionais teria se fosse observado o previsto na tabela do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices para a Construção Civil (Sinapi), elaborada pela Caixa Econômica Federal e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o objetivo de apontar os preços médios para a contratação de materiais, mão de obra e equipamentos pelo setor público. Órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, usam a tabela Sinapi como referência em suas fiscalizações.
Enquanto a prefeitura de Canoas contratou os técnicos em manutenção por R$ 10,5 mil ao mês, a tabela Sinapi aponta que o valor médio mensal dos eletricistas — de atribuições semelhantes aos contratados pela prefeitura —, já inclusos os encargos sociais, é de R$ 3,1 mil, três vezes menor do que o praticado pelo município da Região Metropolitana. Os eletricistas de manutenção industrial custam R$ 3 mil ao mês, e os encanadores hidráulicos, R$ 2,8 mil, sempre pela tabela do Sinapi.
Levando em consideração o valor mais elevado disponível na tabela do Sinapi (R$ 3,1 mil), Canoas teria o gasto total com os 12 técnicos fixado em R$ 111,9 mil em três meses, ante os R$ 378 mil que constam no contrato assinado entre a prefeitura e a empresa Impacto Vento Norte Produções Técnicas, contratada com dispensa de licitação para fornecer a mão de obra e montar as tendas dos hospitais de campanha.
A lei federal 13.979/2020 permite que a gestão pública faça contratações em caráter de emergência no período de enfrentamento da covid-19. A prefeitura alega que os técnicos de manutenção contratados têm mais funções do que um eletricista, como reparos em encanamentos e lonas, motivo que os tornaria mais caros.
A comparação com hospitais de campanha de outras cidades para o enfrentamento da covid-19 demonstra que esse tipo de despesa não é habitual. Em Porto Alegre, por exemplo, a administração municipal contratou a montagem de um hospital de campanha pelo valor total de R$ 36 mil, durante 90 dias, igualmente com dispensa de licitação. Não há previsão de verba extra pelo serviço de mão de obra de manutenção, que ficará a cargo da empresa contratada, a Colombo Estruturas para Eventos, quando necessário.
Contraponto
O que diz a prefeitura de Canoas
"Não há sobrepreço nas referidas contratações. O profissional contratado não é um técnico eletricista, mas um técnico em manutenção com atribuições superiores ao eletricista. Sendo assim, a base de valores usada para questionar um possível equívoco no processo não pode ser aplicada.
Os profissionais contratados, por meio do Registro de Preço 74/2019, são técnicos em manutenção, que, conforme documento, têm as seguintes funções: 'Técnico responsável pela manutenção profissional que possa haver durante o evento. Realizará manutenção corretiva e preventiva de instalações, tendas, pisos e coberturas, entre outros, analisando as necessidades de trocas, identificando problemas e realizando a reposição ou conserto dos materiais necessários'.
Ou seja, além de manutenções elétricas, o profissional também atua em situações hidráulicas, é capacitado para arrumar lonas e pisos, que são as bases dos hospitais de campanha de Canoas. As extensas atribuições desses trabalhadores são fundamentais para o funcionamento das instalações 24 horas por dia, sete dias por semana, atendendo pacientes em estado grave e beneficiando toda população.
A Prefeitura reforça que não é possível comparar o valor pago a um profissional eletricista com o previsto para os técnicos em manutenção contratados pelo município.
A necessidade de contratação dos técnicos em número e carga horária questionados se justifica, justamente, pela complexidade dos serviços prestados pelos hospitais de campanha, que têm leitos de UTI, respiradores, aparelhos de raio-x, entre outros, exigindo manutenção permanente. Além da disponibilidade, há a necessidade de serem profissionais capacitados para resolver de pronto os problemas que surgirem.
Por fim, para mostrar que não há sobrepreço nos serviços contratados, o mesmo registro de preço usado para contratar os técnicos em manutenção para os hospitais de campanha também preveem a contratação de técnicos eletricistas por um valor/turno de R$ 80, abaixo do valor médio mensal, que é R$ 3.109,38, conforme apresentado pela reportagem.
Além disso, o quantitativo é uma previsão estimada, podendo ou não ser utilizado em sua íntegra. A execução do contrato é por preço unitário, ou seja, pagamento pelo efetivamente utilizado. A prefeitura de Canoas sempre se coloca à disposição da imprensa, da sociedade e dos órgãos de fiscalização para validar seus atos, guiados sempre pela transparência e pelo respeito às leis.
Em relação à matéria 'Prefeitura de Canoas contrata mão de obra com possível sobrepreço para hospitais de campanha', cabe reforçar tais esclarecimentos técnicos:
1. O valor total divulgado pela matéria não foi executado, sendo apenas uma estimativa máxima. Importante ressaltar que nenhuma quantia ainda foi paga e que não há obrigatoriedade de execução do valor total. Só será pago o serviço prestado em sua unicidade, não no valor global. Ou seja, caso não seja necessário utilizar a força de trabalho 24 horas por dia, todos os dias da semana, os valores pagos serão muito menores. Só será pago o que de fato for utilizado.
2. São tecnicamente inadequadas as comparações com estruturas de outros municípios. Diferente de Porto Alegre e Santa Cruz do Sul, o hospital de campanha de Canoas foi montado do zero, e não em estrutura semi-pronta como ginásios ou alas de hospitais preexistentes. Além disso, os hospitais de campanha de Canoas contam com duas UTIs e leitos de isolamento, com oxigênio e respiradores nas UTIs, além de banheiros, chuveiros isolados para paciente e profissionais. Para tanto, reforça-se a necessidade de haver um profissional mais qualificado para também responder a essas manutenções.
3. O Município de Canoas, desde o início da pandemia, vem atuando com correção e zelo total, sempre buscando a preservação da vida. Os questionamentos ao poder público são naturais e necessários, mas é preciso cautela e responsabilidade para não macular indevidamente um trabalho integralmente focado no interesse público. Independente disso, temos completa abertura de rever procedimentos caso nossos controles internos ou externos indiquem nesse sentido. A Controladoria do Município já está fazendo uma reavaliação completa do procedimento em questão.
4. O valor pago aos profissionais é fruto de um orçamento público feito pelo município em 2019, que formulou os valores-bases do registro de preço. Depois disso, foi realizado uma concorrência pública para contratação do fornecedor pelo menor preço. Ou seja, reiteramos que o valor definido para o pagamento dos técnicos neste momento foi, sim, estabelecido por licitação, de acordo com o registro de preço 74/2019.
5. O Registro de Preço 74/2019, que tem como objetivo o credenciamento de mão de obra e de estruturas para a realização de eventos na cidade, foi utilizado justamente por permitir a construção rápida e a respectiva manutenção das estruturas temporárias necessárias. O mesmo termo foi usado em contratações anteriores, cujos termos já foram validados pelo Tribunal de Contas do Estado, acrescenta-se o fato que a empresa em face a necessidade de saúde pública deu um desconto próximo de 75% em quase todos os itens.
6. A pandemia fez surgir a necessidade de isolar pacientes, inclusive em UTI. Como medida protetiva à saúde da população, a Prefeitura de Canoas ergueu e colocou em funcionamento hospitais de campanha em tempo recorde. Em virtude da urgência, o Município recorreu a Registros de Preços preexistentes para executar a obra.
7. Reiteramos que é impossível comparar as atividades dos profissionais contratados com a de técnicos de manutenção comuns, como faz a matéria. Não há previsão na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), tampouco possui remuneração média na tabela do Sinapi, justamente por tratar-se de tarefa múltipla e de maior complexidade.
O que diz a empresa Impacto Vento Norte
"Informamos que os valores orçados foram decorrentes de um Pregão Eletrônico disputado em 05/07/2019, Pregão Eletrônico 74/2019, o qual foi disputado por diversas empresas do Brasil e que agora está sendo utilizado para a montagem dos hospitais de Campanha em Canoas, como qualquer outro evento previsto em edital. Nossa empresa foi a vencedora com o menor preço do item 27 denominado “técnico de manutenção”.
O SINAPI é utilizado para fornecer informações sobre custos e índices da construção civil, em especial obras, e visa a verificação dos custos unitários para obras em que os custos são divididos no total da obra a preço certo e final.
No caso desta contratação foi realizada por Registro de Preços com custos unitários de cada item alocado, podendo ser contratada 1 (dia) de um determinado técnico ou serviço ou até produto ou apenas uma unidade, além de não ser uma obra.
A precificação da empresa tem que levar em conta exatamente a possibilidade de um profissional ser alocado em apenas um dia ou até em apenas uma hora e nestes casos todos os custos perdem em escala em face de uma contratação pontual. A escolha deste formato de Registro de Preços é da Administração Pública e não da empresa e os custos neste formato são incomparáveis com uma obra a preços certos e com escopo pré-definido, logo não há como realizar esta comparação por se tratar de situações completamente diversas.
Não orçamos o profissional pela tabela SINAPI e sim, pela tabela do SATED/RS (Convenção Coletiva 2017/2018 Secraso), o qual regula as atividades de profissionais de eventos do Estado. Não temos conhecimento dos outros contratos e das outras empresas, nos foi solicitado que tivéssemos um técnico de plantão 24 horas, conforme item 27 do Pregão Eletrônico 74/2019, que será cobrado somente o que for executado pela nossa empresa."