A prefeitura de Canoas contratou 12 técnicos de manutenção, ao custo mensal de R$ 10,5 mil cada, para atuar nas 24 horas do dia, divididos em turnos de oito horas, em três hospitais de campanha construídos para o enfrentamento da pandemia de coronavírus no município. Dois deles são anexos às UPAs Boqueirão e Rio Branco, enquanto o terceiro fica junto do Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG).
Por mês, a prefeitura gasta até R$ 126 mil com esses profissionais, destacados para estarem permanentemente à disposição para reparos em luminárias, tomadas, fiações, encanamentos hidráulicos e nos aparelhos de ar-condicionado — eles não fazem manutenção em equipamentos médicos, como respiradores e outros itens de UTI.
Ao longo dos três meses de contrato, o custo será de até
R$ 378 mil. Esse valor representaria possível sobrepreço de R$ 266,1 mil em relação ao custo que a contratação desses profissionais teria se fosse observado o previsto na tabela do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices para a Construção Civil (Sinapi), elaborada pela Caixa Econômica Federal e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o objetivo de apontar os preços médios para a contratação de materiais, mão de obra e equipamentos pelo setor público. Órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, usam a tabela Sinapi como referência em suas fiscalizações.
Enquanto a prefeitura de Canoas contratou os técnicos em manutenção por R$ 10,5 mil ao mês, a tabela Sinapi aponta que o valor médio mensal dos eletricistas — de atribuições semelhantes aos contratados pela prefeitura —, já inclusos os encargos sociais, é de R$ 3,1 mil, três vezes menor do que o praticado pelo município da Região Metropolitana. Os eletricistas de manutenção industrial custam R$ 3 mil ao mês, e os encanadores hidráulicos, R$ 2,8 mil, sempre pela tabela do Sinapi.
Levando em consideração o valor mais elevado disponível na tabela do Sinapi (R$ 3,1 mil), Canoas teria o gasto total com os 12 técnicos fixado em R$ 111,9 mil em três meses, ante os R$ 378 mil que constam no contrato assinado entre a prefeitura e a empresa Impacto Vento Norte Produções Técnicas, contratada com dispensa de licitação para fornecer a mão de obra e montar as tendas dos hospitais de campanha.
A lei federal 13.979/2020 permite que a gestão pública faça contratações em caráter de emergência no período de enfrentamento da covid-19. A prefeitura alega que os técnicos de manutenção contratados têm mais funções do que um eletricista, como reparos em encanamentos e lonas, motivo que os tornaria mais caros (confira contraponto ao final).
A referência genérica a técnicos de manutenção feita por Canoas no contrato com a Impacto Vento Norte não encontra respaldo na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), sendo uma profissão sem código específico. A tabela do Sinapi não prevê a remuneração média para a definição genérica do técnico em manutenção. Todas as CBOs precisam de um complemento que especifique o tipo de profissional, de modo que existem vários técnicos de manutenção: em balanças, aeronaves, máquinas e equipamentos de informática, entre outros.
A discrepância entre os valores pagos pelo município e o mercado de trabalho também pode ser observada no Portal Emprega Brasil, ferramenta do governo federal em que se cadastram profissionais que buscam oportunidade de trabalho nas agências do Sine. Na plataforma, os salários de técnico em manutenção elétrica, mecatrônica e em aparelhos de ar-condicionado ficam entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil.
A comparação com hospitais de campanha de outras cidades para o enfrentamento da covid-19 demonstra que esse tipo de despesa não é habitual. Em Porto Alegre, por exemplo, a administração municipal contratou a montagem de um hospital de campanha pelo valor total de R$ 36 mil, durante 90 dias, igualmente com dispensa de licitação. Não há previsão de verba extra pelo serviço de mão de obra de manutenção, que ficará a cargo da empresa contratada, a Colombo Estruturas para Eventos, quando necessário.
No hospital de campanha HSNG, em Canoas, um mês de custo de seis técnicos de manutenção soma R$ 63 mil, o que é mais caro do que toda a montagem, conservação e desmontagem da estrutura do hospital de campanha da Capital ao longo de três meses (R$ 36 mil).
A prefeitura de Santa Cruz do Sul contratou um ambulatório de campanha com locação de estruturas, instalação de divisórias, piso, instalação elétrica e hidráulica, ao custo mensal de R$ 46,6 mil. Não está previsto gasto extra para necessidades de manutenção, o que deve ser coberto pelo valor original do contrato. "A contratada deverá providenciar manutenção preventiva e/ou corretiva durante o período de garantia", diz a cláusula sexta do trato do município do Vale do Rio Pardo com a empresa Eduardo Sonir Machado ME.
A prefeitura de Canoas assinou contrato, no dia 1º de abril de 2020, com a Impacto Vento Norte para a montagem de quatro hospitais de campanha. Além dos três já citados no texto — Boqueirão, Rio Branco e HNSG, há ainda a unidade São Luis, essa de menor porte e sem previsão de técnicos de manutenção. O contrato é assinado pelo prefeito Luiz Carlos Busato e diz que o custo total das estruturas, para o período de 90 dias, é de R$ 3,5 milhões.
As informações e cópias dos contratos e orçamentos estão disponíveis para pesquisa no portal LicitaCon, do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Contraponto
O que diz a prefeitura de Canoas
"Não há sobrepreço nas referidas contratações. O profissional contratado não é um técnico eletricista, mas um técnico em manutenção com atribuições superiores ao eletricista. Sendo assim, a base de valores usada para questionar um possível equívoco no processo não pode ser aplicada.
Os profissionais contratados, por meio do Registro de Preço 74/2019, são técnicos em manutenção, que, conforme documento, têm as seguintes funções: 'Técnico responsável pela manutenção profissional que possa haver durante o evento. Realizará manutenção corretiva e preventiva de instalações, tendas, pisos e coberturas, entre outros, analisando as necessidades de trocas, identificando problemas e realizando a reposição ou conserto dos materiais necessários'.
Ou seja, além de manutenções elétricas, o profissional também atua em situações hidráulicas, é capacitado para arrumar lonas e pisos, que são as bases dos hospitais de campanha de Canoas. As extensas atribuições desses trabalhadores são fundamentais para o funcionamento das instalações 24 horas por dia, sete dias por semana, atendendo pacientes em estado grave e beneficiando toda população.
A Prefeitura reforça que não é possível comparar o valor pago a um profissional eletricista com o previsto para os técnicos em manutenção contratados pelo município.
A necessidade de contratação dos técnicos em número e carga horária questionados se justifica, justamente, pela complexidade dos serviços prestados pelos hospitais de campanha, que têm leitos de UTI, respiradores, aparelhos de raio-x, entre outros, exigindo manutenção permanente. Além da disponibilidade, há a necessidade de serem profissionais capacitados para resolver de pronto os problemas que surgirem.
Por fim, para mostrar que não há sobrepreço nos serviços contratados, o mesmo registro de preço usado para contratar os técnicos em manutenção para os hospitais de campanha também preveem a contratação de técnicos eletricistas por um valor/turno de R$ 80, abaixo do valor médio mensal, que é R$ 3.109,38, conforme apresentado pela reportagem.
Além disso, o quantitativo é uma previsão estimada, podendo ou não ser utilizado em sua íntegra. A execução do contrato é por preço unitário, ou seja, pagamento pelo efetivamente utilizado.
A prefeitura de Canoas sempre se coloca à disposição da imprensa, da sociedade e dos órgãos de fiscalização para validar seus atos, guiados sempre pela transparência e pelo respeito às leis.
Em relação à matéria “Prefeitura de Canoas contrata mão de obra com possível sobrepreço para hospitais de campanha”, cabe reforçar tais esclarecimentos técnicos:
1. O valor total divulgado pela matéria não foi executado, sendo apenas uma estimativa máxima. Importante ressaltar que nenhuma quantia ainda foi paga e que não há obrigatoriedade de execução do valor total. Só será pago o serviço prestado em sua unicidade, não no valor global. Ou seja, caso não seja necessário utilizar a força de trabalho 24 horas por dia, todos os dias da semana, os valores pagos serão muito menores. Só será pago o que de fato for utilizado.
2. São tecnicamente inadequadas as comparações com estruturas de outros municípios. Diferente de Porto Alegre e Santa Cruz do Sul, o hospital de campanha de Canoas foi montado do zero, e não em estrutura semi-pronta como ginásios ou alas de hospitais preexistentes. Além disso, os hospitais de campanha de Canoas contam com duas UTIs e leitos de isolamento, com oxigênio e respiradores nas UTIs, além de banheiros, chuveiros isolados para paciente e profissionais. Para tanto, reforça-se a necessidade de haver um profissional mais qualificado para também responder a essas manutenções.
3. O Município de Canoas, desde o início da pandemia, vem atuando com correção e zelo total, sempre buscando a preservação da vida. Os questionamentos ao poder público são naturais e necessários, mas é preciso cautela e responsabilidade para não macular indevidamente um trabalho integralmente focado no interesse público. Independente disso, temos completa abertura de rever procedimentos caso nossos controles internos ou externos indiquem nesse sentido. A Controladoria do Município já está fazendo uma reavaliação completa do procedimento em questão.
4. O valor pago aos profissionais é fruto de um orçamento público feito pelo município em 2019, que formulou os valores-bases do registro de preço. Depois disso, foi realizado uma concorrência pública para contratação do fornecedor pelo menor preço. Ou seja, reiteramos que o valor definido para o pagamento dos técnicos neste momento foi, sim, estabelecido por licitação, de acordo com o registro de preço 74/2019.
5. O Registro de Preço 74/2019, que tem como objetivo o credenciamento de mão de obra e de estruturas para a realização de eventos na cidade, foi utilizado justamente por permitir a construção rápida e a respectiva manutenção das estruturas temporárias necessárias. O mesmo termo foi usado em contratações anteriores, cujos termos já foram validados pelo Tribunal de Contas do Estado, acrescenta-se o fato que a empresa em face a necessidade de saúde pública deu um desconto próximo de 75% em quase todos os itens.
6. A pandemia fez surgir a necessidade de isolar pacientes, inclusive em UTI. Como medida protetiva à saúde da população, a Prefeitura de Canoas ergueu e colocou em funcionamento hospitais de campanha em tempo recorde. Em virtude da urgência, o Município recorreu a Registros de Preços preexistentes para executar a obra.
7. Reiteramos que é impossível comparar as atividades dos profissionais contratados com a de técnicos de manutenção comuns, como faz a matéria. Não há previsão na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), tampouco possui remuneração média na tabela do Sinapi, justamente por tratar-se de tarefa múltipla e de maior complexidade."
O que diz a empresa Impacto Vento Norte
"Informamos que os valores orçados foram decorrentes de um Pregão Eletrônico disputado em 05/07/2019, Pregão Eletrônico 74/2019, o qual foi disputado por diversas empresas do Brasil e que agora está sendo utilizado para a montagem dos hospitais de Campanha em Canoas, como qualquer outro evento previsto em edital. Nossa empresa foi a vencedora com o menor preço do item 27 denominado “técnico de manutenção”.
O SINAPI é utilizado para fornecer informações sobre custos e índices da construção civil, em especial obras, e visa a verificação dos custos unitários para obras em que os custos são divididos no total da obra a preço certo e final.
No caso desta contratação foi realizada por Registro de Preços com custos unitários de cada item alocado, podendo ser contratada 1 (dia) de um determinado técnico ou serviço ou até produto ou apenas uma unidade, além de não ser uma obra.
A precificação da empresa tem que levar em conta exatamente a possibilidade de um profissional ser alocado em apenas um dia ou até em apenas uma hora e nestes casos todos os custos perdem em escala em face de uma contratação pontual. A escolha deste formato de Registro de Preços é da Administração Pública e não da empresa e os custos neste formato são incomparáveis com uma obra a preços certos e com escopo pré-definido, logo não há como realizar esta comparação por se tratar de situações completamente diversas.
Não orçamos o profissional pela tabela SINAPI e sim, pela tabela do SATED/RS (Convenção Coletiva 2017/2018 Secraso), o qual regula as atividades de profissionais de eventos do Estado. Não temos conhecimento dos outros contratos e das outras empresas, nos foi solicitado que tivéssemos um técnico de plantão 24 horas, conforme item 27 do Pregão Eletrônico 74/2019, que será cobrado somente o que for executado pela nossa empresa."