Foi simbólica a presença de Sergio Moro no primeiro lugar da fila de ministros a tomar posse no governo Jair Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019. À frente da principal instituição de combate ao crime no país, o ex-juiz da Lava-Jato fornecia um lustro ético à equipe, servindo como selo de qualidade a unir os movimentos contra à corrupção com a promessa de nova política decantada por Bolsonaro. Exatos 480 dias depois, Moro deixa o governo fazendo graves acusações contra o presidente e provocando um racha na base de apoio popular do governo.
Nas redes sociais, principal termômetro usado por Bolsonaro para medir os reflexos de seus atos, Moro liderou as menções durante quase todo o dia, a maioria em apoio ao seu pedido de demissão. Logo em seguida, slogans como “Fora Bolsonaro”, “Bolsonaro traidor” e “Bolsonaro enlouqueceu” também ocupavam posições de destaque nos comentários.
Em resposta às críticas, apoiadores do presidente deflagraram uma onda de ataques a Moro, acusando-o de um ser um “infiltrado” dentro do governo, “aliado da Rede Globo” e que teria condenado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva exclusivamente com o objetivo de se aproximar de Bolsonaro. Ao se despedir da equipe, ainda na sede do ministério, Moro alertou os auxiliares sobre a onda de ataques que viria e pediu que eles se preparassem.
O ministro mal havia terminado a despedida quando o editor do site bolsonarista Crítica Nacional, Paulo Eneas, o chamou de traidor. Após uma sequência de postagens no Twitter atacando o ministro, Eneas escreveu que “existem traidores amadores, como Joice (Hasselmann), (general) Santos Cruz, o falecido (Gustavo) Bebianno e o ator pornô (Alexandre Frota). Moro é profissional, e fez hoje seu primeiro discurso de campanha”.
No Congresso, parlamentares ligados ao presidente reafirmaram lealdade. O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) atacou Moro, o demitido diretor-geral da Polícia Federal (PF) Maurício Valeixo e o número 2 da PF, Disney Rossetti. “Sergio Moro me enganou”, resumiu o parlamentar. Ainda mais próxima a Bolsonaro, Carla Zambelli esteve ao lado da comitiva de ministros que acompanhou o pronunciamento presidencial. Mais cedo, porém, ela sinalizou intranquilidade à rádio Jovem Pan, ao avaliar que “dá para continuar governando e o governo tem grandes chances de seguir em frente”.
Todavia, alguns dos mais influentes formadores de opinião do bolsonarismo não esconderam o incômodo com a demissão do ministro. O blogueiro Allan dos Santos disse que “Moro dissolveu a base do presidente” e que seria necessário descobrir se as revelações feitas pelo ministro são verdadeiras. Logo depois, voltou a manifestar fidelidade ao governo, passando a questionar e criticar atos de Moro.
Mais contundentes ao lamentar a demissão do ex-juiz foram a ex-jogadora de volei Ana Paula Henkel, para quem “foi um dia incrivelmente triste”, e o agrônomo Xico Graziano, aliado do presidente na interlocução com o agronegócio. Graziano praticamente rompeu com Bolsonaro ao dizer que se Moro “sai, saio junto”. Ele ainda cobrou um posicionamento dos generais que despacham no Palácio do Planalto. “Concordaram com esse caminho perigoso, que se distancia da Justiça? General Heleno, cadê o senhor? Para onde foi a sensatez?”, questionou.
Um dos principais aliados de Bolsonaro no meio empresarial, o dono das lojas Havan, Luciano Hang, também deu sinais de rompimento. Hang chamou Moro de herói nas redes sociais e, em entrevista à Folha de S.Paulo, disse que não tinha “político de estimação”. O presidente do Instituto Brasil 200, Gabriel Kanner, foi mais enfático. À frente do grupo de empresários que deram suporte à campanha eleitoral de Bolsonaro e ainda afiançava apoio ao presidente, Kanner disse que é o “começo do fim”.
— Hoje qualquer esperança que a gente pudesse ter no Bolsonaro veio por água abaixo. Essa interferência que ele queria ter na Polícia Federal não vimos nem na época do PT, quando começou a Lava-Jato — afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo.