A tensa relação entre Congresso e Palácio do Planalto está estampada em dados do ano inaugural do mandato de Jair Bolsonaro. Entre a posse, em 1º de janeiro, e 31 de dezembro de 2019, o presidente teve 25% das medidas provisórias (MPs) que editou revertidas pelo Legislativo.
Desde a redemocratização, apenas Michel Temer acumulou mais derrotas em seus primeiros 12 meses de governo, com 31% das normativas derrubadas. Bolsonaro, contudo, ainda poderá superar Temer, uma vez que 22 medidas do primeiro ano do governo ainda tramitam na Câmara e no Senado.
Principal instrumento para impor iniciativa de maneira imediata pelo Executivo, uma MP passa a valer após a assinatura do presidente, mas tem de ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias para se tornar lei. Em caso contrário, caduca.
O presidente assinou 48 MPs em 2019. Destas, até agora, 13 se transformaram em lei, 11 perderam a validade sem nem sequer passar pela análise do parlamento, uma foi reprovada e uma, retirada. Entre os atos que caducaram, há propostas controversas, como a que proibia desconto de contribuição sindical em folha e a que dispensava empresas de publicar balanços financeiros em jornais.
Na última segunda-feira (3), durante a abertura do ano legislativo no Congresso, Bolsonaro mandou recado aos parlamentares, pedindo a “devida apreciação e aprovação” de suas propostas.
Embora relacione os fracassos à falta de empenho do presidente, pouco disposto a negociar e carente de base parlamentar sólida, o analista político Antônio Queiroz atribui a derrubada de MPs à estratégia belicosa do mandatário. Para ele, o Legislativo passou a atuar como freio dos arroubos de Bolsonaro, corrigindo excessos, moderando iniciativas e impondo derrotas
— Bolsonaro envia medidas achando que já cumpriu sua função, e o Congresso que se vire. Está mais preocupado em ser coerente perante seus eleitores – analisa Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), completando:
— Medidas só passam se há coincidência entre a proposta do governo e a agenda do parlamento. É um método fadado ao fracasso, porque depende da coincidência de interesses, sem haver esforço de convencimento.
Carlos Borenstein, cientista político da consultoria Arko Advice, tem visão diferente:
— Há parlamentares antigos que operaram na lógica do presidencialismo de coalizão e apresentam resistência maior. Vivemos período de transição de modelo, são naturais esses embates. À medida que o Congresso passa a não ser atendido pelo Planalto, ou as demandas passam a ser atendidas em ritmo mais lento, vem a retaliação.
Carteirinhas estudantis e editais vencem dia 16
Para este mês, MPs polêmicas estão no horizonte. Até o dia 16 de fevereiro, precisa ser aprovada a medida que muda a emissão de carteirinhas estudantis no país e a que coloca fim à publicação obrigatória de editais de concursos e licitações em jornais. Tidas como caras à agenda do Planalto, porém, devem caducar antes de serem votadas — por ora, ainda nem passaram por comissões. Nos bastidores, as propostas são avaliadas como retaliações a grupos considerados adversários pelo presidente. Pouco dispostos a votá-las, deputados e senadores retornaram do recesso na segunda-feira.
Ainda no primeiro semestre, o Congresso definirá o futuro de outras MPs. Uma delas, válida até março, criou o programa Verde Amarelo, facilitando a contratação de jovens para reduzir o desemprego. Outra, vigente até abril, alterou regras para escolha de dirigentes nas universidades federais.
Para o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, Bolsonaro seguirá acumulando derrotas enquanto dispensar a articulação política com congressistas, batizada por ele de “nova política”. O especialista avalia que o Legislativo tem barrado ímpetos do presidente:
— O governo força as instituições a operar no limite da capacidade, e esse relacionamento estressante produz desgaste. Hoje, a dúvida é por quanto tempo elas serão capazes de suportar.
Sociólogo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Léo Peixoto Rodrigues avalia que Bolsonaro mudou a relação com o Congresso:
— Nos últimos governos, ministérios eram dados aos partidos com a porteira fechada. Era um aparelhamento muito eficiente. Já Bolsonaro não negociou. Nas indicações, não prevaleceu a lógica partidária, mas o quanto as pessoas indicadas eram afinadas com a pauta de governança proposta. Temos aí um giro bastante surpreendente. A aposta era que o governo não teria governabilidade, mas acabou o ano com saldo muito positivo, sobretudo na questão econômica.