O presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS), Voltaire de Lima Moraes, defendeu, em entrevista ao Gaúcha Atualidade desta terça-feira (4), o enfrentamento dos problemas que impedem a evolução da saúde financeira do Estado. Conhecido pelo diálogo, — enfatizado pelo seu discurso de posse na segunda-feira (3)— , Voltaire defendeu uma força-tarefa entre Legislativo, Judiciário e Executivo para esmiuçar o que atrapalha o "bem estar da população".
— Precisamos verificar aquilo que realmente está acontecendo. Cada poder deveria fazer uma radiografia para que a gente possa avançar — afirmou.
Egresso do Ministério Público, Moraes assumiu a presidência do TJ-RS em uma disputada cerimônia no plenário da instituição.
Confira a entrevista completa
Vamos começar falando de orçamento e o pedido do Executivo de congelamento para esse ano. Qual é a sua posição? O senhor falou de diálogo, como isso é possível?
Quando se fala de congelamento do orçamento é uma questão delicada, porque envolve todos os poderes e para que isso ocorra, de forma efetiva, creio que uma das fórmulas para resolver é conversar previamente. Eu não consigo entender que um Estado como nosso, politizado, não possam os chefes de Poder se reunirem para verificar o que cada um necessita e o que pode ser visualizado. Eu, ao longo da minha vida, sempre dialoguei muito. Quando estive no MP, passando por governadores como Collares e Britto, eu sempre procurei conversar. Estou entrando agora na chefia de um poder de estado, que é o Judiciário. O governador, pelo que falei com ele, vejo que é bem-intencionado, da mesma forma que o presidente da Assembleia, Ernani Polo. Creio que a gente possa se reunir com as demais instituições para que se chegue a um denominador comum. A gente tem que ter uma pauta que cada um leve do que possa ser feito. (...) Tem que reunir tudo que cada um necessita e ver o que é factível. Porque todos eles pensam o quê? Que a gente tem que ter (como meta) o bem estar da população.
Tem algo que talvez possa se fazer, que é uma espécie de mutirão para andar os processos de cobrança de devedores. O senhor acha que é possível ?
É possível. Mas essa é uma questão complexa, começa lá na fazenda, vai pra Procuradoria-Geral do Estado..
Mas e as judicializadas?
Aí entra uma questão orçamentária. Temos juizados com falta de servidores, tivemos inúmeras aposentadorias. Precisamos verificar o que é possível, precisamos de mais servidores. Na medida em que precisamos de mais servidores, está dentro de um conceito de orçamento. Aí vamos conseguir também receita para o Estado. Aí o índice de inadimplência é muito significativo. Tem o risco da prescrição também, que pode levar à inviabilidade do pagamento da dívida. A prescrição ocorre quando as coisas não andam normalmente. De quem é culpa? Agora não é momento de jogar culpa um no outro.
Sabemos que a maioria desses quase R$ 50 bilhões é crédito podre, porque muitas empresas já quebraram. Mas o que é cobrável pode ser uma forma de ganhar receita?
Essa é uma possibilidade. Eu quero propor, conversar com governador, a respeito dessas questões. Temos hoje 17 bancadas e o poder Judiciário vai estar sempre à disposição para a gente encontrar fórmulas que levem à satisfação da nossa gente. Tem comarcas que não liberam crédito porque não tem juiz. Mas o que a Assembleia precisa de nós? É uma via de dua mãos.
O que pode ser feito na questão do orçamento?
Ao longo dos anos, o orçamento do poder Judiciário vem diminuindo gradativamente, e ele vem se mantendo graças a boas administrações. Nosso orçamento que era 8% caiu para 4%. O restante ele consegue administrar com recursos próprios. Isto é uma coisa que, às vezes, a população não entende e, às vezes, a culpa é nossa, que não conseguimos passar como deveríamos uma informação detalhada. Ao longo dos anos, a comunicação melhorou muito. Então, veja, se diminui gradativamente (o orçamento), o que está sendo feito com esse dinheiro? Essa é uma outra reflexão que temos que fazer.
O Executivo alega que havia gordura para queimar. Tanto que mais de R$ 200 milhões foram transferidos da conta do pessoal para conta de pagamento de exercícios passados. Que este seria um indício de que poderia permanecer congelado.
Esta é uma outra questão. Envolve uma profundidade maior. Quando se devolve, porque não conseguiu se realizar — por exemplo, projetos que não passaram na Assembleia, estávamos precisando criar mais varas, servidores juízes —, não é gordura. Precisamos colocar na radiografia estatal aquilo que é realidade. Quando um projeto não é aprovado, tem um reflexo imediato. Precisamos verificar aquilo que realmente está acontecendo. Cada poder deveria fazer uma radiografia para que a gente possa avançar (...).
O senhor disse que precisa de servidores, mas estamos com limitações para contratações no Estado. Como fazer?
Estamos justamente colocando na mesa, fazendo analise bem ampla das necessidades. Tem peculiaridades aí. Tem funções que não podem ser desempenhadas com um mínimo de pessoas. Tem outras que, com o avanço tecnológico, é possível. Estamos fazendo levantamento daquilo que a gente pode fazer, pode enxugar, pode reciclar. Vamos investir muito no aperfeiçoamento dos servidores. Este diagnóstico vamos fazer. Mas não é possível substituir um juiz. Essa é uma questão básica.
O processo eletrônico muda o nível de exigência de servidores..
Exatamente. Queremos ouvir a população também. Vamos realizar o primeiro fórum entre poder Judiciário e sociedade em março.
A sociedade diz que o Judiciário é lento. Na forma como a legislação é emaranhada, há como ser mais rápido?
Eu tenho 34 anos e meio de magistério, discutindo com alunos, e o longo desses anos eu não encontrei um país como o nosso, que tenha tantos recursos. Se alguém encontrar, gostaria que me dissesse. Aí eu vou pedir para montar um cartaz, vou emoldurar e começar a olhar. Porque não existe. Qualquer coisa que acontece, chega ao tribunal federal. Só deveriam chegar em uma corte constitucional as grandes questões, para o tribunal não ficar vulgarizado. Agora, o nosso sistema recursal é impressionante. Então, não é que a Justiça seja lerda, é o processo. O processo envolve vários sujeitos. (...) Isso, às vezes, acaba retardando. Muitas vezes, o juiz se vê reprimido por várias situações que a lei não permite. Por isso surge a ideia do juiz legislador, mas a lei não permite, isso não existe.
Qual é a sua posição sobre a questão do juiz de garantias?
É um tema delicado mesmo dentro do poder. Eu vi que a AMB (Associação de Juízes do Brasil), fez um levantamento e 79% dos magistrados são contra. É uma novidade que eu acho que merece vários enfoques. Primeiro: somos um país continental. A realidade aqui é diferente do Amazonas, o que já merece uma análise mais detalhada. Isso, ao meu juízo, tem reflexo na questão orçamentária. O juiz de garantias segue uma determinada corrente doutrinária, que tem apego muito grande pelos direitos fundamentais, isso é importante, mas temos que verificar se todas as modificações feitas são factíveis num país como nosso. O que me causou espécie foi fazer uma transformação de grande porte dando prazo de 30 dias. Tanto que foi suspensa pelo STF.
O senhor fez uma das posses mais prestigiadas, conseguiu reunir seis ex-governadores, mais o governador e o vice. O senhor usou a palavra “decantação”, esse é o seu estilo? Fale um pouco mais dele.
Ao longo da minha vida eu aprendi que, quando há questões de grande complexidade, a gente deve esperar, refletir melhor, sob pena de causar um dano a várias pessoas e instituições. (...) Há coisas que envolvem aquilo que se chama de tutela de urgência, que tem que resolver imediatamente. Mas no plano político institucional, creio que a situação é diferente. Sendo ela diferente, as pessoas tem que parar — veja a questão orçamentária do Estado. Primeiro tem o plano racional, o plano técnico e o plano político institucional. Não se pode levar em consideração só a palavra dos técnicos, como também não só a dos políticos. Temos que nos reunir e achar uma forma de equacionar. (..) Grandes questões então precisam passar por um processo de decantação.