O decreto presidencial que concede perdão de pena a condenados foi publicado nesta terça-feira (24) no Diário Oficial da União com benefícios a agentes de segurança pública. É a primeira vez que uma categoria profissional específica é favorecida por indulto natalino. O texto extingue a pena a policiais que tenham sido condenados por "excesso culposo" — quando pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa ou em cumprimento de dever legal — desde que tenham cumprido um sexto da pena. A regra só vale para quem cometeu o delito no exercício da função ou em decorrência dela e não inclui condenados por crimes dolosos - ou seja, intencionais.
O texto também cria a hipótese de perdão a policiais em folga, desde que tenham atuado para eliminar o risco contra si ou outra pessoa. O governo justifica este trecho "pelo risco inerente à profissão, que os expõe constantemente ao perigo, e pelo fato de possuírem o dever de agir para evitar crimes mesmo quando estão fora do serviço". O perdão vale, ainda, para as condenações de militares das Forças Armadas por crimes não intencionais relacionados às operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Além do benefício a policiais, também foi decretada a recorrente concessão do indulto de caráter "humanitário", com regras para todos os presos. São beneficiados, neste caso, detentos com problemas graves de saúde, como câncer, doenças raras ou aids, ou que ficaram paraplégicos, tetraplégicos ou cegos após os crimes. Não podem receber o benefício os condenados por tortura, terrorismo, tráfico de drogas, nem os que cumprem pena por crimes hediondos.
Previsto na Constituição, o indulto natalino é um perdão de pena que costuma ser concedido anualmente quando o Natal se aproxima. É destinado a quem cumpre requisitos especificados no decreto presidencial. Se for beneficiado com o indulto, o preso tem a pena extinta e pode deixar a prisão. Esse benefício, portanto, não trata das saídas temporárias de presos, nas quais precisam retornar à prisão.
— Normalmente o indulto é destinado a um tipo de crime. Agora, desta vez, o indulto se referiu a uma determinada categoria. A Presidência da República inovou. Mas, no meu entendimento, essa categoria sempre esteve dentro dos indultos (anteriores) — avalia o corregedor-geral do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, Amilcar Fagundes Freitas Macedo, acrescentando que ainda não há levantamento sobre o número de policiais militares que serão beneficiados pelo decreto.
Advogada criminalista e professora da Escola de Direito da PUCRS, Fernanda Osório diz que o indulto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro "foge completamente de todos os decretos anteriores" ao referir explicitamente uma categoria.
— Deixa a mensagem de que os policiais devem ser, de certa forma, favorecidos ainda que envolvidos em prática de crimes e outras pessoas, não. Temos uma polícia considerada extremamente violenta que tem a complacência do governo federal — adverte.
ANOS MARCADOS POR POLÊMICAS
Nos últimos dois anos sobraram polêmicas envolvendo o decreto. Em 2016, em seu primeiro indulto natalino, o presidente Michel Temer estabeleceu que só poderiam ser beneficiados pelo perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que, até 25 de dezembro daquele ano, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes.
No ano seguinte, Temer reduziu para um quinto o período de cumprimento de pena exigido para que o preso por crimes sem violência ou grave ameaça, como os de corrupção, pudesse receber o benefício e obter liberdade. A Procuradoria Geral da República (PGR) foi então ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ato de Temer com a argumentação de que o texto violava os princípios da separação de poderes, da individualização da pena e o da proibição, prevista na Constituição, de que o Poder Executivo legisle sobre direito penal.
O ministro relator, Luís Roberto Barroso, concedeu liminar (decisão provisória) que suspendeu os efeitos de parte do decreto. Somente em maio deste ano o STF decidiu validar o decreto de 2017.
Em 2018, às vésperas de encerrar seu mandato, Temer preferiu não tomar nenhuma iniciativa em relação ao indulto natalino. Decisão foi tomada porque, até aquela data, o Supremo não tinha o concluído o julgamento da suspensão do indulto de 2017. Foi a primeira vez em 30 anos que a presidência da República não emitiu decreto em favor de apenados por crimes não violentos que já cumpriram parte da pena.
*Colaborou Gabriel Jacobsen