O que Arambaré, Capivari do Sul, Coxilha, Monte Belo do Sul e São João do Polêsine têm em comum? Dos 231 municípios com menos de 5 mil habitantes no Rio Grande do Sul, eles são os únicos a registrar arrecadação própria superior a 10% das receitas amealhadas em um ano.
Por conta disso, escapariam da extinção no Estado, se for aprovada sem alterações a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo – apresentada na última terça-feira (5) pelo governo Bolsonaro. O texto determina que localidades desse porte, incapazes de gerar o percentual mínimo citado acima, sejam incorporadas por vizinhos a partir de 2025.
Mas o que explica o desempenho desses cinco redutos que se tornaram exceções à regra? Como evitam a dependência total de verbas federais e estaduais? GaúchaZH entrou em contato com cada uma das prefeituras e, nesta reportagem, mostra que há algo mais unindo esses lugarejos: a preocupação em atualizar valores de impostos e a busca por maior eficácia na cobrança e fiscalização de devedores.
— Acredito que esse ponto da proposta federal não vá passar, mas é um alerta importante para que as administrações se preocupem em melhorar a arrecadação própria. Embora sejamos municípios pequenos, não temos o direito de ser sustentados pelos outros. Não adianta ir toda hora com o pires na mão a Brasília e não fazer o dever de casa — resume o prefeito de Coxilha, Ildo José Orth (PP).
Arambaré: atrativos naturais potencializam receitas
Arambaré, na Costa Doce, tem nas águas da Lagoa dos Patos uma das explicações para o desempenho das finanças municipais. De toda a receita registrada no município de 3,6 mil habitantes em 2018, 14,7% foram gerados na própria localidade — percentual raro quando se trata de localidades de mesmo porte. Muito desse resultado, na avaliação do prefeito, Alaor Pastoriza Ribeiro (MDB), se deve aos atrativos da cidade, emancipada no início da década de 1990.
— No verão, a população passa de 50 mil pessoas. A nossa praia é uma das poucas da lagoa que não tem esgoto. É uma praia limpa e tranquila. Cuidamos bem dela. Por isso muita gente decidiu construir e investir aqui. Nos últimos anos, vimos um aumento do número de pousadas e de restaurantes. Isso vem se refletindo na arrecadação — explica Ribeiro.
Outra razão para o percentual de receita própria superar a marca de 10%, segundo o gestor público, tem relação com medidas de gestão. Conforme o prefeito, a planta de valores que embasa a cobrança de IPTU foi atualizada recentemente, assim como os dados do cadastro imobiliário.
Capivari do Sul: regularização fundiária fez a diferença
Assim que conquistou autonomia administrativa, em 1995, o município de Capivari do Sul, no Litoral Norte, passou por um processo de regularização da posse da terra. Na avaliação do prefeito, Marco Antônio Monteiro Cardoso (PDT), a decisão foi acertada: na prática, contribuiu para melhorar o potencial de arrecadação própria — em 2018, esse tipo de recurso representou 10,4% da receita total do município de 4,7 mil habitantes.
— Desde o início, apostamos muito na legalização fundiária. Eu era vice-prefeito e secretário de Obras na época. Apenas 10% das áreas do perímetro urbano eram regularizadas. Hoje, são 95%. Isso se reflete na arrecadação. Outro ponto importante: tínhamos apenas uma rua pavimentada. Hoje, isso é realidade em 60% da sede. Investir em infraestrutura é uma forma de valorizar os imóveis. Como temos feito constantes ajustes na planta de valores do IPTU, faz toda a diferença — diz Cardoso.
Além de manter a planta atualizada, a prefeitura dá especial atenção à fiscalização e à cobrança de impostos. Em paralelo, segundo o prefeito, tem trabalhado para atrair investimentos, inclusive com a criação de um polo industrial.
Coxilha: produção de sementes alavanca arrecadação
Com 2,7 mil habitantes, Coxilha, na Região Norte, é mais um exemplo de município de pequeno porte que vem conseguindo superar os 10% de arrecadação própria no Rio Grande do Sul — em 2018, o percentual chegou a 10,8%. A explicação para o resultado, segundo o prefeito Ildo José Orth (PP), envolve um conjunto de fatores, a começar por uma peculiaridade econômica.
— O município é privilegiado porque se tornou referência em produção de sementes selecionadas, incluindo milho, soja, trigo, cevada e algumas forrageiras. Temos várias empresas do ramo instaladas aqui, e isso vem trazendo efeitos positivos para a receita de ISS (Imposto Sobre Serviços) — ressalta Orth.
Conforme o prefeito, a gestão municipal também tem se preocupado em cobrar os contribuintes com eficiência e em atualizar valores de impostos.
— Penso que estamos fazendo o certo. Muitas vezes, os prefeitos têm medo de cobrar o IPTU e o ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) como devem, porque não é simpático e as pessoas não gostam, mas aí falta dinheiro para manter as estradas em boas condições e fazer o que precisa ser feito — pondera o gestor.
Monte Belo do Sul: aposta no turismo para fazer caixa
Com morros verdejantes pontilhados de parreirais e capitéis, Monte Belo do Sul, na Serra Gaúcha, aposta no turismo para alavancar as receitas próprias. Na avaliação do prefeito, Adenir José Dallé (MDB), os efeitos dessa escolha já aparecem nas contas públicas – em 2018, 10,6% de tudo o que foi arrecadado teve origem na localidade, onde vivem 2,5 mil pessoas.
— Estamos junto ao Vale dos Vinhedos e há muito interesse no município, por isso apostamos nisso. Em 2017, tínhamos 12 pequenos empreendimentos na área turística. Agora, temos 40, entre pousadas, restaurantes, pequenas vinícolas, agroindústria familiar e artesanato, o que se traduz em mais ISS. Além disso, está aumentando o número de loteamentos, e isso vai gerando mais IPTU — afirma Dallé.
O prefeito diz que planta do Imposto Predial e Territorial Urbano foi atualizada em 2011 e que a administração atua com firmeza na fiscalização e cobrança de devedores.
— Fazemos isso porque entendemos que é importante. Estamos com as contas em dia, temos várias melhorias em andamento e conseguimos responder melhor às demandas da população — sintetiza.
São João do Polêsine: em 2019, arrecadação própria já chega a 17,4%
Situada na Região Central, a 45 quilômetros de Santa Maria, a pequena São João do Polêsine, habitada por 2,5 mil pessoas, registrou 12,1% de arrecadação própria em 2018 e caminha para ampliar esse percentual em 2019.
— A gente está fazendo o possível para ter o melhor resultado — diz o prefeito em exercício, Paulo Pozzebon (MDB).
De janeiro a outubro deste ano, segundo o contador do município, Jonathan Gassen, o índice de receitas próprias atingiu a marca de 17,4%, o equivalente a R$ 2,2 milhões. O desempenho se explica, conforme Gassen, pelo ingresso crescente de Imposto Sobre Serviços (ISS) nos cofres municipais.
— O aumento do ISS é perceptível. Tem relação com empresas de tecnologia instaladas no município, que prestam serviços para todo o Brasil, e a um bom trabalho de fiscalização da prefeitura — afirma o técnico.
Outro ponto que ajuda São João do Polêsine a garantir dinheiro próprio em caixa é a pressão cerrada sobre os devedores, para evitar que os débitos caduquem.
— A gente tenta não deixar prescrever as dívidas. Isso é muito importante — ressalta Gassen.