O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve decidir nesta terça-feira (26) se assinaturas digitais são válidas para criar novos partidos, como a Aliança pelo Brasil, do presidente Jair Bolsonaro. Essa opção tem sido defendida pelo presidente como uma aposta para tentar viabilizar sua nova sigla até o fim de março, a tempo de disputar as eleições municipais de 2020.
Mesmo se a corte liberar essa forma de coleta de assinaturas, porém, há entraves técnicos que dificultam a agilidade da verificação dos nomes e a viabilidade de coletar os apoios nesse prazo.
Pelas regras vigentes, mesmo a assinatura eletrônica precisaria ser conferida pelos servidores dos cartórios eleitorais em um procedimento que continuaria sendo manual, como explica um parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral do último dia 18.
– A troca de documentos em papel por documentos eletrônicos não suprime nem simplifica etapas – afirma o parecer do vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros.
– Isso significa dizer que em um caso os servidores da Justiça confrontarão papéis para ver as semelhanças entre as assinaturas manuscritas e, então, 'atestar' a veracidade das assinaturas. No outro caso, os servidores da Justiça precisarão verificar se a assinatura eletrônica associada ao documento eletrônico é da mesma pessoa cujos dados constam do corpo do documento eletrônico, que, portanto, precisa ser aberto e lido e confrontado com os dados da assinatura eletrônica –explica Humberto.
Hoje, para criar um novo partido, é preciso recolher, em fichas de papel, ao menos 491.967 assinaturas distribuídas em no mínimo nove estados. Essas fichas vão para os cartórios eleitorais, que conferem se as assinaturas batem com as de seus registros. As que baterem seguem para os Tribunais Regionais Eleitorais presentes nos Estados. Por fim, são enviadas ao TSE, onde a equipe do Sistema de Apoiamento a Partidos em Formação faz a contagem dos nomes que constam das fichas de papel. O trâmite das assinaturas digitais continuaria sendo o mesmo.
Outro problema técnico é que a Justiça Eleitoral não tem hoje um protocolo de procedimentos que seus servidores devem seguir para conferir assinaturas digitais. Uma mudança no método de trabalho demandaria tempo e recursos. Por essa razão, a Procuradoria-Geral Eleitoral deu parecer contrário ao uso de assinaturas digitais.
Um terceiro ponto é que a discussão no TSE se restringe às assinaturas digitais certificadas. A certificação é um procedimento pago, fornecido por empresas, que se baseia no uso de chaves com criptografia para garantir a segurança do registro.
Segundo a Associação Nacional de Certificação Digital (ANCD), existem no país 3,78 milhões de pessoas físicas que têm certificado digital, o que equivale a menos de 3% do eleitorado, fato que limita o alcance da coleta eletrônica de assinaturas.
O debate sobre as assinaturas digitais chegou ao TSE em dezembro de 2018 por meio de uma consulta feita pelo deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), bem antes, portanto, de Bolsonaro articular a criação de seu novo partido.
A consulta formulada é a seguinte: "Seria aceita a assinatura eletrônica legalmente válida dos eleitores que apoiem dessa forma a criação de partidos políticos nas listas e/ou fichas expedidas pela Justiça Eleitoral?"
Segundo ministros e técnicos do TSE consultados pela reportagem reservadamente, o debate no plenário do tribunal deve se restringir ao objeto da consulta.
Como noticiou a coluna Painel da Folha de S.Paulo nesta segunda-feira (25), outra hipótese cogitada para a criação da Aliança pelo Brasil seria a coleta da biometria de apoiadores de Bolsonaro para que a Justiça Eleitoral checasse as identidades comparando com seu próprio banco de dados. Essa saída não está em discussão no TSE no momento.
A consulta é de relatoria do ministro Og Fernandes. Como a questão, que discutia as assinaturas de forma abstrata, passou a ser vinculada ao caso concreto do partido de Bolsonaro, existe a chance de que Fernandes não a submeta a julgamento de mérito.
Na semana passada, Bolsonaro chegou a dizer que a celeridade na criação de seu novo partido dependeria da decisão do TSE sobre as assinaturas digitais.
– Por ocasião das eleições de 2020, acredito que podemos ter o partido funcionando desde que a assinatura seja pela forma eletrônica, senão só poderemos estar em condições de disputar as eleições de 2022 – afirmou.
Bolsonaro disse que, caso o procedimento seja feito pela via presencial, o partido deve demorar cerca de um ano ou um ano e meio para ficar pronto.
– Se for eletrônica eu tenho certeza de que, com o apoio de vocês, em um mês, no máximo, a gente consegue as 500 mil assinaturas – disse.
As declarações foram na contramão do que havia dito o advogado eleitoral Admar Gonzaga à coluna de Mônica Bergamo, também da Folha.
À frente da criação da Aliança, Gonzaga, que é ex-ministro do TSE, disse que o grupo do presidente não está contando com as assinaturas digitais e afirmou que "essa narrativa foi criada pela imprensa."
– Em primeiro lugar, poucas pessoas têm assinaturas certificadas. E elas teriam de ser conferidas no cartório. Seria o dobro do trabalho – afirmou.
A possibilidade foi aventada por aliados de Bolsonaro há 10 dias, quando a decisão do presidente de deixar o PSL foi tornada pública.
Segundo a equipe jurídica que auxilia o presidente, a ideia era lançar um aplicativo para que a coleta de assinaturas acontecesse de forma mais célere.