Uma pergunta gera divergências nos cenários político e jurídico desde sexta-feira (27): o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 7 de abril de 2018 em Curitiba, pode se negar a progredir para o regime semiaberto, como manifestou vontade? GaúchaZH consultou especialistas que confirmam como o tema pode ser interpretado de diferentes formas: sob a ótica do direito do preso e a partir da perspectiva do direito do Estado.
O pedido para que o petista deixe a cela que ocupa na Polícia Federal partiu do Ministério Público Federal (MPF), o mesmo que pediu sua prisão.
Para o advogado e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) André Callegari, o caso é inédito e precisa ser analisado pela Justiça.
— Ele quer o reconhecimento da inocência, mas o Estado também tem o direito de repassar a responsabilidade sobre ele. O Estado é responsável pela custódia no regime fechado. Quando tem direito a progressão e não o faz, o Estado precisa continuar com esse trabalho, é um ônus. Ele vai cumprir toda a pena no regime fechado, então? — questiona.
No caso de Lula — condenado em duas instâncias no processo do triplex do Guarujá —, para ser apto a progredir de regime, é preciso cumprir um sexto da pena e comprovar bom comportamento na cadeia. Em alguns pontos, o caso lembra a história de Suzane Von Richthofen, condenada a 39 anos de prisão pelo homicídio dos pais, em 2002. Em agosto de 2014, uma decisão da Justiça revogou sua ida para o semiaberto depois que ela recusou a progressão dizendo temer por sua segurança se fosse colocada em liberdade. Suzane afirmou que o pedido foi feito por seus advogados contra a sua vontade. Um ano mais tarde, ela passou a usufruir do benefício.
Ao lembrar o caso, Callegari aponta as diferenças.
— No caso de Suzane, ela temia por sua liberdade, mas Lula afirma que quer que sua inocência seja provada ou não sairá da prisão — exemplifica. — O Estado pode expulsá-lo? Não sei dizer. É um fato inédito no país — complementa Callegari.
Para o procurador de Justiça e professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) Gilberto Thums, Lula tem o direito de se negar a deixar o local que ocupa em Curitiba. Ele explica que a progressão é um "direito subjetivo de todo o preso".
— Nunca tivemos esse precedente na história, é uma forma de protesto. No meu entendimento, é um direito que você tem, uma garantia. Se é um direito, você não pode ser compelido a aceitar. Estamos nos deparando com algo inédito. É emblemático — afirma.
Em relação a motivação do MPF em pedir a progressão do ex-presidente, Thums afirma que não faz juízo de valor, mas diz estranhar a preocupação":
— O MP zela pelas pessoas, mas me soa estranho. Quantos presos há pelo Brasil que nunca tiveram seus direitos pleiteados? É curioso que o órgão acusador agora esteja pleiteando a liberdade de Lula.
O professor de processo penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Aury Lopes Júnior entende que "permanecer preso por mais tempo do que se deve ou em um regime inadequado é uma ilegalidade". Para ele, nenhuma autoridade "permitiria ser responsabilizado por isso":
— Negar a progressão é uma postura dele, pela representatividade política que tem. Mas não me parece que possa afetar o reconhecimento do direito de progressão. A tendência é que isso seja efetivado.