É falso que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha escrito no Twitter que o Congresso Nacional está enviando o recado “deixe a gente roubar, ou você não governa” ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). O ministro não tem conta oficial em nenhuma rede social. Não há, além disso, registro de que Guedes tenha dito esta frase em qualquer outra ocasião.
Segundo checagem anterior do site Boatos.org, o tuíte viralizado foi publicado em junho por uma conta de simpatizantes do ministro da Economia, atualmente suspensa da rede social. Desde então, uma captura de tela do tuíte, no qual o nome do usuário está incompleto, passou a circular amplamente no Facebook.
Outras imagens de tuítes da mesma conta falsa, @PauloGuedes1234, já haviam sido compartilhadas nas redes sociais e foram desmentidas por diversas agências de checagem. Essas publicações enganosas atribuíam ao ministro da Economia críticas ao jornalista Glenn Greenwald, ao vazamento de conversas da Lava-Jato e ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O Comprova verificou o conteúdo publicado em uma conta pessoal no Facebook e compartilhado em um grupo chamado Legião Bolsonariana.
Falso
O ministro da Economia não tem perfil no Twitter. Uma conta atribuída a ele já foi objeto de diversas verificações nos últimos meses. Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos
O Comprova entrou em contato com o Ministério da Economia e pesquisou na imprensa registros de críticas de Paulo Guedes ao Congresso. Também analisamos a tramitação do Projeto de Lei 5029/2019, referente à reforma nas regras eleitorais.
Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.
Paulo Guedes não tem contas em redes sociais
A mensagem viralizada não poderia ter sido publicada pelo ministro da Economia, uma vez que Paulo Guedes não tem conta em nenhuma rede social. A informação foi confirmada ao Comprova pelo Ministério da Economia. Em 13 de junho, a pasta já havia publicado no Twitter um alerta com os endereços corretos das contas oficiais do ministério.
Além disso, personalidades públicas do governo têm contas verificadas no Twitter, sinalizadas com um selo azul ao lado do nome do perfil – símbolo que não aparece na captura de tela viralizada.
Ao buscar a mensagem do suposto tuíte no Google, também não encontramos nenhum registro de que ela tenha sido dita por Paulo Guedes.
A mensagem com críticas ao Congresso atribuída a Guedes foi desmentida em 27 de junho pelo site Boatos.Org. De acordo com a checagem, o tuíte foi publicado pela conta @PauloGuedes1234. Atualmente, o perfil está suspenso e não é possível acessar seu conteúdo. Ainda é possível ver, contudo, as respostas à publicação.
O Comprova pesquisou no Wayback Machine e no Google Web Cache, sites que arquivam páginas da internet, mas não havia registros do tuíte deletado. Na imagem que viralizou no Facebook, o nome da conta está oculto.
Ao menos três tuítes da conta @PauloGuedes1234 foram compartilhados como se fossem do ministro da Economia. No dia 14 de junho, a Lupa verificou que era falsa uma publicação com críticas a Glenn Greenwald, com uma foto do jornalista com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Fato ou Fake checou o mesmo conteúdo três dias depois.
Em 25 de junho, a Lupa voltou a desmentir uma mensagem da conta, dessa vez criticando o “governo paralelo” do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A checagem informa que a conta @PauloGuedes1234 estava ativa desde maio.
A Agência Lupa verificou um terceiro tuíte atribuído a Guedes em 12 de julho, esse sobre o vazamento de conversas de integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato do Paraná. Quando o Estadão Verifica checou o mesmo conteúdo, no dia 29 do mesmo mês, o perfil falso do ministro havia sido suspenso.
Contexto
A captura de tela do suposto tuíte de Guedes voltou a viralizar em 17 de setembro, em meio à votação de um contestado Projeto de Lei que altera diversas regras eleitorais. Entre análises na Câmara e no Senado, o PL 5029/19 (antigo PL 11021/18) passou por múltiplas mudanças e foi duramente criticado por parte da população.
No último dia 4 de setembro, a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados e posteriormente encaminhada ao Senado Federal.
Entre os principais pontos, o projeto previa que o Fundo Partidário poderia ser utilizado para contratar serviços advocatícios para qualquer processo judicial ou administrativo que envolvesse candidatos do partido, eleitos ou não. A proposta estabelecia que essas ações deveriam estar relacionadas ao processo eleitoral, ao exercício de mandato eletivo ou que pudessem acarretar no reconhecimento de inelegibilidade.
Esse item fez com que críticos do projeto o apelidassem de “Lei Lula Livre”, em uma referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é réu em seis processos, além das duas ações nas quais já foi condenado. Em 12 de setembro, organizações da sociedade civil também assinaram uma carta aberta expressando “preocupação extrema” com o PL.
Cinco dias depois, o Senado aprovou um substitutivo ao texto original, rejeitando quase todos os itens validados pela Câmara.
No entanto, de volta à análise dos deputados, o texto foi em parte restaurado. A versão mais recente permite, entre outros pontos, que o Fundo Partidário seja utilizado para contratar assistência jurídica para qualquer processo judicial que envolva candidatos do partido, eleitos ou não, mas relacionados exclusivamente ao processo eleitoral.
Agora, o PL foi encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro e depende de sanção para entrar em vigor. Nesta quinta-feira (19), a hashtag #VETABOLSONARO figurou em primeiro lugar nas tendências do Twitter para o Brasil.
Críticas de Guedes ao Congresso
Apesar de não ter publicado o tuíte viralizado, Guedes já criticou o Congresso em outras ocasiões, como durante a tramitação da reforma da Previdência.
Depois da divulgação do relatório aprovado na Comissão Especial da Câmara, que previa uma economia menor do que a proposta inicialmente, Guedes afirmou que os parlamentares mostraram “que não há um compromisso com as novas gerações”. “O compromisso com os servidores públicos do Legislativo parece maior do que com as futuras gerações”, afirmou ele na época.
Horas depois, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, reagiu chamando o governo de “usina de crises”.
— Vamos aprovar a reforma da Previdência. Nós blindamos a reforma das crises que são geradas todos os dias pelo governo. Cada dia um ministério gerando uma crise — disse ele na ocasião.
Também no contexto de articulação para a reforma da Previdência, Guedes foi acusado de criticar o parlamento uma segunda vez. No final de junho, deputados ameaçaram esvaziar uma sessão da Comissão Especial da Câmara em reação a uma suposta fala de Guedes — ele teria se referido ao Congresso como uma “máquina de corrupção”. Na época, o ministro negou que tivesse usado a expressão naquele contexto.
Com a aprovação da reforma, os ânimos entre Guedes e o Congresso esfriaram. Em agosto, o ministro da Economia parabenizou os deputados após a votação da proposta de emenda à Constituição.
— Vim aqui cumprimentar o excelente trabalho da Câmara, o excelente trabalho de coordenação pelo presidente Rodrigo Maia. Estou muito feliz com o apoio da Câmara dos Deputados — disse Guedes em discurso no plenário da Câmara.
Repercussão nas redes
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
O tuíte falso foi compartilhado por uma conta pessoal no Facebook no dia 17 de setembro e obteve 22 mil compartilhamentos. A mesma publicação foi reproduzida no dia 19 de setembro no grupo “Legião Bolsonariana — A favor do Super Ministro Moro”, com 323 compartilhamentos. No Twitter, a imagem teve 73 retweets.
Projeto Comprova
A verificação exposta nesta reportagem foi conduzida pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 24 veículos de mídia, incluindo GaúchaZH, para combater a desinformação sobre políticas públicas federais. A apuração deste texto foi feita por AFP e Estadão e verificada, por meio do processo de rechecagem, por outros cinco veículos: GaúchaZH, Nexo, Jornal do Commercio, Correio do Povo, Band e Poder360.