É falso o texto que acompanhava um vídeo publicado no Facebook e que supostamente mostrava um avião israelense apagando incêndio na Amazônia brasileira, em meio à onda recente de queimadas descontroladas na região. O vídeo, na realidade, foi gravado na Bolívia no dia 5 de setembro e mostra o avião Boeing 747 da empresa norte-americana Global SuperTanker.
A postagem afirmava: "Brasil e Israel unidos como nunca antes". No entanto, Israel não enviou aeronaves ao país para combater incêndios. Segundo o Ministério da Defesa, a ajuda israelense ocorreu pelo envio de bombeiros munidos de equipamentos antichamas.
O Chile emprestou ao Brasil aeronaves para cessar o fogo — mas o modelo das aeronaves chilenas, o Air Tractor 802, tampouco coincide com o visto no vídeo.
O vídeo que viralizou foi feito em Concepción, na Bolívia, no dia 5 de setembro, às 11h09min no horário local. Ele foi gravado pela moradora da cidade María René Céspedes Bazán, com quem o Comprova entrou em contato. Ela estava ajudando a apagar os incêndios em uma propriedade da região, com seu marido e outros voluntários, quando o avião sobrevoou o local.
Os dados do vídeo de Bazán são compatíveis com as informações dos voos realizados pela empresa norte-americana contratada pelo governo da Bolívia para combater os incêndios na Amazônia boliviana.
Esta checagem verificou uma publicação da página República de Curitiba, no Facebook, cuja legenda já foi alterada. O Comprova manteve a verificação porque várias páginas, como a do Canal Net TV no YouTube, a compartilharam sem a correção. Até o dia 12 de setembro, a postagem original tinha mais de 500 mil visualizações e 21 mil compartilhamentos. A versão antiga, com a informação falsa, foi salva pelo Comprova com auxílio do site Wayback Machine.
Falso
O vídeo mostra, na verdade, um avião norte-americano apagando incêndios na Bolívia. Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos
Com o uso do Invid, uma ferramenta que busca (por meio de imagens congeladas) postagens que compartilham determinada gravação, o Comprova localizou o mesmo vídeo viralizado em um site holandês. A postagem era do dia 6 de setembro. Apesar de não parecer ser o registro original, um dos comentários dizia se tratar de um "747 Supertanker".
O Comprova buscou então no Twitter pelos termos "747 Supertanker" e chegou a um tuíte de 6 de setembro com o mesmo vídeo viralizado, com legenda que afirmava se tratar de um 747 Supertanker apagando incêndios na Amazônia boliviana.
Como o usuário do perfil informava ser da Venezuela e não possuía outras postagens sobre o tema nem dava fonte do vídeo, não havia evidências de que essa seria a fonte original. No entanto, notícias da CNN e do G1 informavam sobre o uso do Supertanker no combate ao fogo na Bolívia.
O presidente da empresa norte-americana Global SuperTanker, Dan Reese, assistiu ao vídeo viralizado, enviado a ele pelo Comprova, e afirmou que a gravação de fato parecia mostrar um de seus aviões do modelos 747.
Usando a nova pista, a busca "Supertanker Bolivia" nas diferentes redes sociais levou a diversas postagens. No entanto, cada uma delas creditava o vídeo a locais diferentes no país, ainda que próximos uns dos outros.
O registro do vídeo mais antigo que foi localizado é do dia 5 de setembro e foi publicado pela página "boliviaalalucha" no Instagram. A postagem foi enviada ao Comprova por jornalistas locais. Ao entrar em contato com o administrador da página mencionada, o Comprova conversou com duas pessoas até chegar a María René Céspedes Bazán.
Ela falou com o Comprova por vídeo e mostrou a gravação original no celular de seu marido, com o qual afirmou ter filmado a cena do avião, que viralizou como sendo no Brasil. É ela quem grita ao fim do vídeo.
Bazán também enviou uma gravação ao Comprova mostrando os detalhes da imagem, onde era possível ver a data da gravação e localização na qual foi feita. O vídeo é do dia 5 de setembro, às 11h09min, e foi gravado em Concépcion, na Bolívia, onde ela mora.
Colaboraram com esta verificação os jornalistas Cecilio Moreno, da revista Vistazo, do Equador, e Fabiola Chambi, de Los Tiempos de Cochabamba, na Bolívia.
Dados sobre voos na região são compatíveis
Os dados do vídeo de Bazán, tanto horário quanto localização, coincidem com os dados sobre os voos da empresa Global Supertanker na região naquela data.
O Comprova localizou no FlightAware (site de rastreio de voos), que, no dia 5 de setembro, o Boeing 747 da empresa Global SuperTanker decolou do Aeroporto Internacional Viru Viru às 10h40min e retornou ao mesmo aeroporto às 11h37min. A foto de Bazán consta como tendo sido tirada às 11h09min.
Além disso, ao comparar o trajeto do voo no site e distância entre o aeroporto e a localidade de Concepción, as informações de Bazán também se mostram compatíveis. A distância apontada no percurso é de cerca de 190 quilômetros e a distância real percorrida pelo avião, contando ida e volta, foi de 394 quilômetros.
Antes de localizar Bazán, o Comprova entrou em contato com diversas páginas e veículos que compartilharam a foto no dia 6 de setembro, mas nenhum deles sabia dizer a autoria do filme.
Apenas uma das postagens mencionava um empresário como autor. No entanto, como os arquivos enviados por ele ao Comprova não tinham metadados (dados como data, horário e local onde foram captadas as imagens e permitem confirmar a origem do vídeo) e ele não enviou nada que comprovasse a autoria, a busca prosseguiu.
Contexto
A viralização do vídeo do avião que sobrevoou a Bolívia acontece em meio a uma crise de queimadas e incêndios florestais que dura desde o início de agosto na Amazônia. Mais de 75 mil focos de incêndios foram registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de janeiro a agosto de 2019, o maior número em cinco anos. Mais da metade foi encontrada na Amazônia. Uma parte do fogo atingiu também a Amazônia boliviana.
Tanto Brasil quanto Bolívia tentam dar resposta aos incêndios, mas a situação perdura até este mês. A origem dos focos está na ação humana, como de grileiros que buscam ocupar terras onde há florestas, segundo reportagens da imprensa local e nacional. A Polícia Federal e as polícias nos Estados amazônicos abriram inquéritos para verificar os casos.
O Comprova tem verificado boatos sobre as queimadas desde o início da crise. Em agosto, um vídeo em que uma mulher indígena chorava por causa de um incêndio viralizou como se tivesse ocorrido na Amazônia, mas era de Minas Gerais. Outra postagem também associava erroneamente a prisão de um homem no Amazonas às queimadas recentes e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O Comprova verificou ainda que a liberação de R$ 2 bi para a educação e a preservação da Amazônia não são decorrentes do orçamento disponível para o governo Bolsonaro, como insinuava uma publicação.
A associação de Israel a ações consideradas positivas para o país não é nova e apareceu em outros boatos produzidos por pessoas e páginas pró-governo. Israel é um dos aliados prioritários na política externa de Jair Bolsonaro (PSL). Meses atrás, o governo considerou transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, por exemplo, e anunciou que considerava fechar a embaixada da Palestina em Brasília. Nenhuma medida foi tomada.
Repercussão nas redes
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
A postagem na página da República de Curitiba no Facebook verificada teve, até o dia 17 de setembro, 96 mil curtidas, 50 mil compartilhamentos e 4,6 mil comentários.
Não foi possível identificar em que data a legenda do vídeo foi alterada, no entanto, até o dia 12 de setembro, ela ainda apresentava o conteúdo falso e tinha mais de 500 mil visualizações.
A postagem original foi também alvo de verificação pelos sites Boatos.org, Aos Fatos, Agência Lupa e Fato ou Fake.
Projeto Comprova
A verificação exposta nesta reportagem foi conduzida pelo Projeto Comprova, uma coalização formada por 24 veículos de mídia, incluindo GaúchaZH, para combater a desinformação sobre políticas públicas federais. A apuração deste texto foi feita por Nexo e Folha de S.Paulo e verificada, por meio do processo de rechecagem, por outros cinco veículos: GaúchaZH, O Estado de S.Paulo, Poder360, Jornal do Commercio e Correio 24 Horas.