Novos vazamentos de diálogos mostram que o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, foi alertado em 2017 por Hindemburgo Chateaubriand Filho — à época corregedor-geral do Ministério Público Federal (MPF) — sobre a exposição dos procuradores da força-tarefa na divulgação de palestras. As mensagens atribuídas aos dois foram obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas em parceria com o jornal Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (8).
O material divulgado aponta que Dallagnol estaria divulgando uma palestra na qual prometia revelar informações inéditas sobre a Lava-Jato e que teria cobrança de ingresso dos participantes. Na lista de palestrantes estavam Dallagnol e outros quatro procuradores da Lava-Jato. O ingresso para o evento custava R$ 80 e a renda seria revertida para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Curitiba, segundo a divulgação.
"Venha conhecer pessoalmente os procuradores da Lava Jato em Curitiba e ficar por dentro do que está acontecendo na operação – em primeira mão!!", dizia uma publicação no Facebook em 1º de julho de 2017.
O texto gerou polêmica no Ministério Público e o procurador Vladimir Aras chegou a enviar a Deltan uma lista com críticas dele e de outros colegas.
"Virou atração circense A Corregedoria devia suspender Os tentáculos da vaidade e do estrelismo podem agarrar os colegas sutilmente (ou nem tão sutilmente assim)", afirmou um dos procuradores. "Se eu estivesse do outro lado do balcão faria a festa com esse 'Xow do Deltan'!", escreveu outro crítico. Aras então aconselhou a Dallagnol: "Sei que o evento é beneficente e vc tem o melhor propósito. Mas procure evitar a monetização da Lava Jato, ainda que indireta".
Segundo a Folha, Hindemburgo expôs a reprovação a Dallagnol, que fez alteração no teor da publicidade da palestra. Em seguida, ele comentou que sua intervenção no episódio resultava do apreço que tinha pelo procurador e saía da sua linha de atuação como fiscal máximo da atividade dos procuradores. O corregedor-geral, no entanto, deixou de abrir apuração oficial.
"Só quero lhe dizer q liguei em consideração a vc é ao Januário (procurador Januário Paludo). Como Corregedor, na verdade, não me competia fazer o q fiz", afirmou, segundo trecho reproduzido pela Folha.
Na madrugada seguinte à palestra, Deltan escreveu a Hindemburgo para avisar que as orientações do corregedor-geral tinham sido seguidas. Em resposta, o corregedor-geral voltou a criticar a conduta de Deltan, dizendo que o tema havia sido abordado em uma reunião da qual tinha participado.
"Ao contrário de vcs (integrantes da Lava Jato), todos q se encontravam na reunião discordaram da atitude. É éramos vários. Além deles, recebi de outras pessoas tb em tom de severa crítica. Lembre-se q vcs falam na condição de interessados. O q eu lhe disse é q do jeito q estava apresentado o post, o anúncio era o da venda de informações em primeira mão sobre a lava jato. Era o mesmo q chamar uma entrevista coletiva e cobrar entrada, pouco importa a destinação do dinheiro. Isso para mim seria bastante grave, independentemente do q vcs pensam", disse o corregedor-geral.
Antes, em janeiro de 2017, Dallagnol também fez um agradecimento ao corregedor-geral pela conduta dele em uma outra sindicância proposta contra o procurador pelo ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que também acabou arquivada. O processo referia-se à entrevista coletiva de imprensa em setembro de 2016 na qual Deltan fez uma apresentação em Power Point com diversas acusações contra o líder petista, logo após apresentar denúncia criminal contra Lula.
Contraponto
À Folha, a Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal afirmou que o titular do órgão não precisa ter o distanciamento das partes típico da atividade dos juízes.
"Ao corregedor-geral do Ministério Público Federal cabe a fiscalização da atuação e da conduta dos membros da instituição. O trabalho possui caráter essencialmente preventivo e não há nenhum óbice para que o corregedor-geral mantenha contatos, oriente, peça ou receba informações antecipadas de procuradores", afirma.
A força-tarefa da Lava-Jato diz que conversas e antecipações de informações ao corregedor-geral não são ilegais. De acordo com a manifestação, "tampouco há impedimento para que recomende a adoção de providências para a correção de rumos em práticas das quais teve conhecimento, sobretudo quando não evidenciada má-fé".
As duas notas dizem que os órgãos e os procuradores não reconhecem as mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept. Afirmam que o material tem origem ilícita e que, por isso, eles não se manifestam sobre o conteúdo específico.