Com um certo tom messiânico, o procurador Deltan Dallagnol tornou-se, desde o início, a cara do Ministério Público na Lava-Jato. Era o par perfeito do juiz Sergio Moro, nos anos em que a força-tarefa desmontou o maior esquema de corrupção já desvendado no país, colocou políticos e empresários na cadeia e recuperou dinheiro desviado dos cofres públicos.
Com a divulgação pelo site The Intercept das mensagens trocadas entre integrantes do grupo, a imagem de Deltan é a que sai mais arranhada, colocando em dúvida a sua capacidade de continuar no papel de coordenador da força-tarefa.
As mensagens mostram um Deltan diferente do jovem procurador empenhado na aprovação das 10 medidas contra a corrupção e que parecia movido apenas por idealismo. Indicam que a fama subiu-lhe à cabeça e caiu na tentação do dinheiro fácil das palestras e dos pequenos favores que beiram a mesquinharia, como pedir estadia gratuita para a família em um hotel do Beach Park, no Ceará. É pelo conjunto de deslizes revelados nas trocas de mensagens que Deltan será investigado pela corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público.
A decisão, assinada pelo corregedor Orlando Rochadel Moreira, determina a instauração de reclamação disciplinar e dá prazo de dez dias para que Deltan e seu colega de força-tarefa da Lava-Jato Roberson Pozzobon se manifestem sobre o assunto.
Expostas à luz do sol, as mensagens trocadas entre Deltan, procuradores da Lava-Jato e o então juiz Sergio Moro revelam interesse em tirar vantagem financeira da notoriedade e, pior, preocupação em driblar a lei e escapar da fiscalização interna. A ideia de criar uma empresa de eventos para aproveitar a repercussão da Lava-Jato, manifestada por Deltan em dezembro de 2018 em conversa com a própria mulher e com o procurador Roberson Pozzobon, incomodou os colegas do Ministério Público.
— A ampla repercussão nacional demanda atuação da Corregedoria Nacional — diz o corregedor para justificar a investigação que dirá se houve ou não falta funcional.
No caso do parque aquático do Ceará, as mensagens são constrangedoras. Além de cobrar cachê de R$ 30 mil por uma palestra sobre combate à corrupção na Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Deltan pediu passagem e hospedagem para a mulher e os dois filhos no Beach Park. Um mês depois, tentou convencer Moro a aceitar um convite da Fiec para fazer palestra na entidade, usando um argumento nada republicano: "Eu pedi pra pagarem passagens pra mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram. Além disso, eles pagaram um valor significativo, perto de uns 30k [R$ 30 mil]. Fica para você avaliar.”
Nessa conversa, segundo o material obtido pelo site The Intercept Brasil e divulgado na Folha de S.Paulo, o procurador comemorou o fato de não ter sofrido punição de órgãos de fiscalização por dar palestras.
''Não sei se você viu, mas as duas corregedorias (do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do MP) — arquivaram os questionamentos sobre minhas palestras dizendo que são plenamente regulares”, escreveu.
Chamado a Brasília pela procuradora Raquel Dodge, Deltan deve ter descoberto que comemorou cedo demais. Defensores convictos da Lava-Jato, que reconhecem seu papel no combate à corrupção, vieram a público para opinar que o procurador implacável transigiu no território da ética, o mesmo em que se consagrou como pregador.