Diálogos atribuídos ao procurador Deltan Dallagnol apontam que o coordenador da Lava-Jato fez uma palestra remunerada no valor de R$ 33 mil para uma empresa que havia sido citada em um acordo de delação em caso de corrupção na própria força-tarefa. O evento, na firma do setor de tecnologia Neoway, teria ocorrido em março de 2018.
Os supostos diálogos foram obtidos pelo site The Intercept Brasil por meio de fonte anônima e publicados em parceria com o jornal Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (26). Na reportagem, consta ainda que Dallagnol aproximou membros da Procuradoria e representantes da Neoway para viabilizar o uso de produtos da companhia em um trabalho da força-tarefa. O procurador gravou um vídeo para a firma no qual enaltece a utilização de ferramentas tecnológicas em investigações.
Segundo Dallagnol, que manifestou não reconhecer a autenticidade das mensagens, ele não teve conhecimento de que a empresa já havia sido citada na Lava-Jato. A Neoway foi mencionada pela primeira vez em um documento de colaboração que foi incluído em um chat dos procuradores da operação em março de 2016, dois anos antes da palestra.
"O que posso afirmar, e é fato, é que eu participava de centenas de grupos de mensagens, assim como estou incluído em mais de mil processos da Lava-Jato. Esse fato não me faz conhecer o teor de cada um desses processos", respondeu o procurador, que destacou já ter recusado convites que pudessem levar a situações de conflito de interesses.
Em nota, a Neoway disse que a contratação de Deltan e dos demais palestrantes "foi remunerada em valores compatíveis com o mercado para atividades dessa natureza, com total observância às leis". A empresa disse ainda que jamais prestou quaisquer serviços ou forneceu qualquer produto para o projeto Laboratório de Investigação Anticorrupção (LINA), da Procuradoria, "seja de forma gratuita ou onerosa".
Delação da Neoway: "Isso é um pepino pra mim"
Em 22 de março de 2016, o delator e lobista do MDB Jorge Luz afirmou que atuou em favor da Neoway em um projeto de tecnologia da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Luz contou que recorreu ao então deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) e ao atual deputado federal Vander Loubet (PT-MS) para aproximar a Neoway da BR Distribuidora.
Apesar de o nome da empresa de tecnologia ter sido mencionado nos documentos da delação já em março de 2016, Deltan teria comemorado a realização da palestra para a companhia em uma mensagem enviada em um outro grupo de conversas dos procuradores dois anos depois, em março de 2018:
“Olhem que legal. Sexta vou dar palestra para a Neoway, do Jaime de Paula. Vejam a história dele: [link para texto sobre Jaime de Paula]. A neoway é empresa de soluções de big data que atende 500 grandes empresas, incluindo grandes bancos etc”.
De acordo com a publicação da Folha, quatro meses depois da palestra, Dallagnol afirmou a outros procuradores, em um chat, que havia descoberto a citação à empresa na delação premiada de Jorge Luz.
“Isso é um pepino pra mim. É uma brecha que pode ser usada para me atacar (e a LJ), porque dei palestra remunerada para a Neoway, que vende tecnologia para compliance e due diligence, jamais imaginando que poderia aparecer ou estaria em alguma delação sendo negociada”, teria afirmado o procurador na conversa.
Dallagnol se afastou formalmente do caso em junho de 2019, quando ele informou à Justiça sua suspeição para participar dos casos relativos à empresa.