Preso como o principal suspeito de hackear celulares de autoridades, Walter Delgatti, o Vermelho, disse em depoimento à Polícia Federal que não recebeu dinheiro para entregar informações ao editor do site The Intercept Brasil, Glenn Greenwald. Também afirmou que teve acesso ao telefone do jornalista por meio da ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB-RS), cujo contato ele conseguiu após acessar outros celulares. As informações são da TV Globo News, que teve acesso ao depoimento, mantido em sigilo pela Polícia Federal.
"(...) na manhã do Dia das Mães de 2019, ligou diretamente para MANOELA D'ÁVILA afirmando que possuía o acervo de conversas do MPF contendo irregularidades; QUE ligou para MANOELA D’ÁVILA diretamente da sua conta do TELEGRAM e disse que precisava do contato do jornalista GLENN GREENWALD; QUE a princípio MANOELA D'ÁVILA não estava acreditando no DECLARANTE, motivo pelo qual fez o envio para ela de uma gravação de áudio entre os procuradores da República ORLANDO e JANUÁRIO PALUDO; QUE no mesmo domingo do Dia das Mães, cerca de 10 minutos após ter enviado o áudio, recebeu uma mensagem no TELEGRAM do jornalista GLENN GREENWALD, que afirmou ter interesse no material, que possuiria interesse público; QUE começou a repassar para GLENN GREENWALD os conteúdos das contas de TELEGRAM (...)", diz trecho do depoimento.
O preso disse ainda que em "nenhum momento passou seus dados pessoais para GLENN GREENWALD; QUE GLENN GREENWALD ou qualquer jornalista de sua equipe conhece o DECLARANTE". Ele afirmou ainda que nunca recebeu "qualquer valor , quantia ou vantagem em troca do material disponibilizado ao jornalista GLENN GREENWALD; QUE o material disponibilizado ao GLEEN GREENWALD foi obtido exclusivamente pelo acesso a contas do TELEGRAM".
Acesso aos procuradores da Lava-Jato
Delgatti acrescentou que também teve acesso aos telefones de membros da Lava-Jato após invadir outros celulares, como o do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Também invadiu os telefones dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, do ex-governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. O conteúdo dos telefones dessas autoridades, porém, não foi acessado ou arquivado por ele.
A partir da agenda do celular do procurador Deltan Dallagnol, ele afirmou ter entrado no telefone do ministro da Justiça e Segurança, Sergio Moro, mas negou que tenha tido acessado o conteúdo das mensagens de Moro.
Ele disse ainda que "somente armazenou o conteúdo das contas de TELEGRAM dos membros da Força Tarefa da Lava Jato do Paraná, pois teria constatado atos ilícitos nas conversas registradas; QUE dentre as conversas registradas pode citar assuntos relacionados ao Procurador da República DIOGO CASTOR, que foi afastado por ter financiado um outdoor em Curitiba/PR".
Delgatti ressaltou ainda que "não realizou qualquer edição dos conteúdos das contas de TELEGRAM das quais teve acesso; QUE acredita não ser possível fazer a edição das mensagens do TELEGRAM em razão do formato utilizado pelo aplicativo (...)".
Segundo a reportagem, o hacker não explicou no depoimento a origem das movimentações financeiras realizadas por ele no ano passado. Em cerca de dois meses, as transações bancárias ultrapassaram R$ 400 mil, segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O que dizem os citados
A ex-deputada federal se manifestou por meio de nota divulgada em rede social. Manuela afirma que, em 12 de maio, foi comunicada pelo Telegram de que, naquele dia, seu dispositivo havia sido invadido na Virginia, nos Estados Unidos.
Logo depois, ela teria recebido uma mensagem de alguém que teria "provas de graves atos ilícitos" praticados no Brasil e que queria divulgar o material "para o bem do país". A pessoa não teria pedido "pagamento ou vantagem de qualquer natureza".
Segundo a ex-parlamentar, a pessoa teria, inicialmente, se identificado como alguém de sua lista de contato. Depois afirmou que era "alguém que tinha obtido provas de graves atos ilícitos praticados por autoridades brasileiras", diz Manuela.
A ex-deputada também afirmou que desconhece a identidade dessa pessoa e que se coloca a disposição para ajudar nas investigações.
O Ministério Público Federal disse que não se manifestará sobre o assunto. A reportagem também entrou em contato com Moro, que ainda respondeu.
Confira a íntegra da nota da ex-deputada
Tomando ciência, pela imprensa, de alusões feitas ao meu nome na investigação de fatos divulgados pelo “The Intercept Brasil”, e por me encontrar no exterior em atividades programadas desde o início do corrente ano, esclareço que:
1. No dia 12 de maio, fui comunicada pelo aplicativo Telegram de que, naquele mesmo dia, meu dispositivo havia sido invadido no Estado da Virginia, Estados Unidos. Minutos depois, pelo mesmo aplicativo, recebi mensagem de pessoa que, inicialmente, se identificou como alguém inserido na minha lista de contatos para, a seguir, afirmar que não era quem eu supunha que fosse, mas que era alguém que tinha obtido provas de graves atos ilícitos praticados por autoridades brasileiras. Sem se identificar, mas dizendo morar no exterior, afirmou que queria divulgar o material por ele coletado para o bem do país, sem falar ou insinuar que pretendia receber pagamento ou vantagem de qualquer natureza.
2. Pela invasão do meu celular e pelas mensagens enviadas, imaginei que se tratasse de alguma armadilha montada por meus adversários políticos. Por isso, apesar de ser jornalista e por estar apta a produzir matérias com sigilo de fonte, repassei ao invasor do meu celular o contato do reconhecido e renomado jornalista investigativo Glenn Greenwald.
3. Desconheço, portanto, a identidade de quem invadiu meu celular, e desde já, me coloco a inteira disposição para auxiliar no esclarecimento dos fatos em apuração. Estou, por isso, orientando os meus advogados a procederem a imediata entrega das cópias das mensagens que recebi pelo aplicativo Telegram à Polícia Federal, bem como a formalmente informarem, a quem de direito, que estou à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o ocorrido e para apresentar meu aparelho celular à exame pericial.
MANUELA D’AVILA 26/07/2019