Casado com o jornalista Glenn Greeenwald, fundador do site The Intercept Brasil, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ) encaminhou à Polícia Federal denúncias sobre ameaças de morte, as quais diz estar recebendo após a divulgação de mensagens entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol, da Lava-Jato.
Segundo as mensagens, Moro sugeriu ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava-Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas, antecipou ao menos uma decisão judicial e cobrou dos procuradores uma ação contra o que chamou de "showzinho" da defesa de Lula.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Moro deve ir nesta quarta-feira (19) ao Senado falar sobre as conversas com Deltan.
O pacote de diálogos que veio à tona inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018. As mensagens, segundo o site, foram entregues à reportagem por fonte anônima.
Desde a primeira publicação das mensagens, no domingo (9), o deputado David diz que passou a receber ameaças de morte. Encaminhadas à Polícia Federal na terça-feira (11), os ataques, diz, também têm como alvo os filhos adotivos do casal e a mãe do deputado.
"Iremos pegar as crianças depois da escola através de um uber, vamos torturá-las aí no jacarezinho! Depois de estuprá-las com nossos consolos, finalizando com esquartejamento dos corpos, iremos espalhar os pedaços das bichas-mirins por toda a 'comunidade'", diz um dos trechos da mensagem.
No dia 19 de março, David já havia feito uma denúncia-crime sobre ameaças recebidas após assumir a vaga de deputado federal em substituição a Jean Wyllys. O antecessor, eleito em 2018, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que desistiu do posto por temer as constantes ameaças que recebia.
Na denúncia encaminhada à polícia, a assessoria jurídica do deputado afirma que, "embora a mensagem seja assinada com o nome de Marcelo Valle, o qual se encontra atualmente preso em decorrência da Operação Bravata, mostra-se possível que tenha sido confeccionada por outros criminosos que atuam no âmbito do fórum denominado 'http://www.dogolachan.org', hospedado na internet/deep web".
A deep web é uma parte da web não indexada e acessível apenas por softwares específicos.
Processos podem ser anulados Para advogados e professores, a maneira como inicialmente o atual ministro da Justiça e o procurador reagiram à divulgação das conversas, sem contestar o teor das afirmações e defendendo o comportamento adotado na época, aponta que o conteúdo é fidedigno e que ele pode servir de base para reverter decisões da Lava-Jato, por exemplo, contra o ex-presidente Lula.
Por esse raciocínio, o fato de o material ter sido provavelmente obtido por meio de um crime faz com que ele não tenha como ser utilizado para acusar um suspeito, mas possa servir para absolver um acusado.
Em um segundo momento, tanto Moro como Deltan passaram não apenas a atacar o crime do vazamento como também colocar em dúvida a integralidade das mensagens divulgadas, ao não afastar a possibilidade de distorções.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
As conversas entre Moro e a Lava-Jato também provocaram reação no STF. Na semana que vem, dia 25 (terça-feira), um pedido dos advogados de Lula pela anulação do processo do tríplex em Guarujá (SP), que levou o petista à prisão em abril do ano passado, será analisado pela Segundo Turma da corte.
O caso foi desengavetado pelo ministro Gilmar Mendes após a divulgação das mensagens. A solicitação da defesa foi feita sob o argumento de suspeitas na isenção de Moro após ele ter se tornado ministro do governo Jair Bolsonaro. Esse pedido no STF foi reforçado por petição segundo a qual as conversas de Moro e Deltan revelam "completo rompimento da imparcialidade" do então juiz da Lava-Jato.
Nas conversas privadas divulgadas pelo site, membros da força-tarefa fazem referências a casos como o processo que culminou com a condenação de Lula por causa do tríplex de Guarujá (SP), no qual o petista é acusado de receber R$ 3,7 milhões de propina da empreiteira OAS em decorrência de contratos da empresa com a Petrobras.
O valor, apontou a acusação, se referia à cessão pela OAS do apartamento tríplex ao ex-presidente, a reformas feitas pela construtora nesse imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial. Ele foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Preso em decorrência da sentença de Moro, Lula foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e depois chancelada também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Resumo dos vazamentos em três pontos
- 1 - Mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil indicam troca de colaboração entre Moro, então juiz, e Deltan, procurador e coordenador da força-tarefa da Lava-Jato.
- 2 - Segundo a lei, o juiz não pode auxiliar ou aconselhar nenhuma das partes do processo
- 3 - Vazamento pode levar à anulação de condenações proferidas por Moro, caso haja entendimento que ele era suspeito (comprometido com uma das partes). Isso inclui o julgamento do ex-presidente Lula