É possível uma empresa aumentar seu faturamento 42 vezes em uma década? Sim, é, em se tratando da maior processadora de carnes do mundo, a brasileira JBS. Como isso ocorreu é a questão, desvendada por um livro de fôlego, que acaba de ser lançada: Why Not, um peso-pesado de 432 páginas com ritmo de thriller policial.
E a narrativa tem mesmo uma pegada criminal, até porque os donos da JBS saíram direto da lista de bilionários no noticiário de economia para cárceres em São Paulo e Brasília, onde passaram temporadas por força da Operação Lava-Jato. Hoje estão soltos, ninguém sabe até quando.
Especializada em economia, a autora, a jornalista Raquel Landim (leia entrevista abaixo), mergulhou na trajetória dos irmãos Wesley e Joesley Batista, os comandantes do império JBS. Ela mostra como o pai deles deixou para trás a origem de boiadeiro e açougueiro para montar, a partir de Brasília, por meio de uma complexa teia de articulações com políticos e muita ousadia empresarial, uma rede de frigoríficos que engoliu e liquidou concorrentes no Brasil, na Argentina, na Austrália e nos EUA.
Os irmãos Batista já eram ricos quando perceberam que, com apoio de dinheiro de bancos oficiais, poderiam multiplicar em muito sua fortuna. E o crescimento exponencial veio após o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com aportes bilionários do BNDES e outras instituições financeiras federais. O salto foi conquistado mediante promiscuidade e financiamento de centenas de políticos. Sem diferenciar ideologia, que dinheiro não tem crença e nem faz juras de amor.
O texto de Raquel é rico nas reconstituições. Da infância pobre e ambiciosa aos iates de luxo, dos voos em aviões particulares às churrascadas no interior do interior, onde os irmãos voltam às raízes. O livro deixa claro que os Batista não têm papas na língua, seja ao circular pelos acarpetados gabinetes de Brasília, seja locomovendo-se pelas empoeiradas estradas do Brasilzão dos rodeios, das marcações de gado e da música sertaneja.
Mas os detalhes mais saborosos do livro são reservados para o escândalo político conhecido como a Segunda Lista de Janot, quando o então Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgou os nomes de quase 2 mil políticos que tiveram campanhas financiadas pela JBS. Em grande parte de forma não declarada, o chamado “caixa 2”. Em outros casos, corrupção direta, inclusive posterior à etapa eleitoral, como pagamento por favores recebidos. Com direito a malas de dinheiro rodando pelas ruas.
Raquel reconstitui diálogos, dúvidas, pressões enfrentadas pelos Batista, como se eles próprios fossem fontes do relato. Descreve como procuradores e policiais federais pressionaram até arrancar dos dirigentes da JBS a tão esperada colaboração premiada. O livro traz bastidores inéditos das gravações que Joesley fez com o então presidente Michel Temer (MDB), com o senador Aécio Neves (PSDB) e com outros políticos de menor expressão.
Tudo permeado de fotos e documentos. Fica a dúvida: é possível crescer nesse país sem chafurdar no lodaçal da politicagem mesquinha? As conclusões deixamos para o leitor. O certo é que essa é uma obra fundamental para entender o Brasil moderno e como ele chegou na balbúrdia atual. Quanto ao título, Why Not, deixamos aos leitores a tarefa de desvendá-lo. Sem spoiler.
Entrevista: Raquel Landim, autora de Why Not
"Fórmula dos Batista mistura gestão espetacular e pagamento de propina"
Raquel Landim estava com um filho pequeno e outro recém-nascido quando começou a biografar a nada tediosa vida dos Batista. Formada na Universidade de São Paulo (USP), com um período de estudos em Londres, ela atua desde 1999 em alguns dos principais jornais do país (hoje, é colunista e repórter sênior na Folha de S.Paulo). Participou da equipe fundadora do Valor Econômico e adquiriu o gosto pela cobertura de negócios n’O Estado de S.Paulo. A seguir, detalha como foi construído seu primeiro livro.
Sem a relação política, dificilmente a JBS teria se transformado na maior processadora de carnes do mundo.
Espanta a quantidade de detalhes sobre a vida pessoal e a infância dos Batista. Você conversou com Joesley sobre o livro ou apenas se embasou em entrevistas passadas? Ele franqueou acesso a documentos familiares?
Why Not é um livro reportagem, o que é bem diferente de uma biografia autorizada. A família Batista não franqueou acesso a documentos nem teve qualquer ingerência. Só conheceram o conteúdo da obra nas livrarias, junto com os leitores.
Quantas pessoas foram ouvidas?
Mais de cem. Algumas pessoas foram ouvidas mais de uma vez. Boa parte das entrevistas foi off the record (sem que o entrevistado autorize a publicação de seu nome), porque trata-se de temas complicados envolvendo corrupção, grandes negócios e ainda sob análise da Justiça.
Você obteve fotos dos iates, da família em casa, do pai... Familiares e amigos lhe abriram as portas?
As fotos utilizadas no livro foram feitas por fotógrafos profissionais e adquiridas de bancos de imagens. Todas elas já foram publicadas por jornais e revistas.
Foste ameaçada de processo judicial se fizesse um livro não autorizado?
Por enquanto, ainda não houve nenhum processo judicial. Pela sensibilidade do assunto, não descarto que possa ocorrer.
O salto do faturamento da JBS foi de R$ 4 bilhões para R$ 170 bilhões em uma década. Como você interpreta isso?
A fórmula dos Batista para esse crescimento exponencial mistura elementos bons e ruins. Inclui, de um lado, uma gestão espetacular e uma capacidade enorme de trabalho. Do outro, acesso privilegiado a crédito barato nos bancos públicos e aprovação de leis no Congresso mediante pagamento de propina.
Não fosse o PT chegar ao poder, a JBS teria o tamanho que tem hoje e virado líder no setor?
Quando o PT chegou ao poder, a Friboi (que depois mudou de nome para JBS) já era líder no setor e faturava R$ 4 bilhões. Mas foi a política dos campeões nacionais dos governos Lula e Dilma e a disposição dos Batista de pagar propina que catapultaram a JBS. Sem essa relação política, dificilmente a empresa teria se transformado na maior processadora de carnes do mundo.
BOX: Festival de gravações comprometedoras abalou o Brasil
A opinião pública brasileira ainda deglutia o banquete indigesto de informações sobre os contatos promíscuos entre a empreiteira Odebrecht e centenas de políticos quando, em maio de 2017, o país foi assombrado por outro grande escândalo. O jornal O Globo revelou que dirigentes da JBS firmaram acordo de colaboração premiada que incluia gravações comprometedoras com o próprio presidente da República, Michel Temer (PMDB).
Dito e feito. O Jornal Nacional daquele 17 de maio veio com a voz de Temer aconselhando Joesley Batista a manter remessas de dinheiro a Eduardo Cunha, cacique peemedebista preso pela Operação Lava-Jato. O temor é que Cunha delatasse as diversas trocas de favores entre a JBS e integrantes do PMDB.
- Tem de manter isso daí, viu? - pediu Temer, em referência às mesadas de Joesley para Cunha.
Mas cenas piores viriam. Dias depois foi divulgadas, também em escala nacional, imagens de um ex-assessor do Palácio do Planalto, Rocha Loures, saindo de uma pizzaria em São Paulo com uma mala com R$ 500 mil. O dinheiro fora entregue a ele por um dos dirigentes da JBS, como parte do que, segundo os delatores, seria pagamento de propina a Michel Temer por favores devidos.
As gravações em áudio e vídeo quase derrubaram Michel Temer - que chegara ao poder justamente após o impeachment de sua antecessora, Dilma Rousseff (PT). Temer precisou ir a público para dizer que não renunciaria, a despeito da pressão.
- Não renunciarei. Repito: não renunciarei - disse o presidente, em pronunciamento à nação, um dia após a divulgação dos áudios.
A sucessão de bombas políticas estouradas com a delação da JBS explodiu também a imagem de um figurão do PSDB, o ex-candidato à Presidência e senador mineiro Aécio Neves. Um primo dele foi filmado recebendo mala de dinheiro doado pela JBS. Num encontro com Joesley, gravado pelo dono da JBS, Aécio combina o recebimento da verba e fala, brincando, que a mala tem de ser entregue a alguém de confiança:
- Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação - graceja Aécio, em gravação feita por Joesley.
Aécio jurou que tudo fazia parte de um empréstimo e as frases eram gracejo, mas não escapou de virar réu nesse e noutros casos similares. Em dois anos, a delação da JBS resultou em quase 100 investigações, sobretudo de políticos. O acordo de colaboração chegou a ter ameaça de ruptura por parte do Ministério Público Federal (MPF), que se sentiu traído ao saber que os Batista tinham omitido parte dos segredos que detinham. Mas ainda está em pé.
Apesar dos irmãos Wesley e Joesley Batista terem entrado e saído da cadeia, a JBS está longe de ter perdido dinheiro com a bombástica delação, mesmo após acordos para pagar multa de R$ 110 milhões (como parte da colaboração premiada). A liquidez total da empresa, referente a 2018, é de R$ 16,4 bilhões, como revela balanço anunciado em março.