A aguardada presença do ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados foi marcada pelo clima tenso entre o ministro e parlamentares de oposição. O objetivo da audiência era detalhar a reforma da Previdência. O início da sessão foi marcado por bate-boca com deputados que portavam cartazes com mensagens críticas à proposta. A reunião já dura mais de seis horas.
No início da sessão, o ministro teria 20 minutos para apresentar os principais pontos do texto, antes de responder às questões dos deputados. Mas, faltando dois minutos para encerrar o tempo, foi provocado ao citar o Chile como modelo para as alterações nas aposentadorias no Brasil e respondeu com ironia:
— O Chile tem US$ 26 mil de renda per capita, o dobro do Brasil. A Venezuela deve estar melhor, né? — indagou Guedes, causando forte discussão entre os integrantes do colegiado.
O presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR) pediu, neste momento, a colaboração dos colegas:
— Isso aqui não é briga de rua.
Ele voltaria a pedir ordem em, pelo menos, outros três momentos.
Além da oposição, deputados próximos ao centrão não pouparam o texto de críticas, em especial, por alterações nas aposentadorias rurais e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que pode ser flexibilizada, de acordo com o ministro. O deputado João Roma (PRB-BA) reclamou da falta de envolvimento do Planalto na defesa da reforma e pediu que “o governo abraçasse isso”.
O clima de provocação seguiu durante a sabatina. O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) pediu a Guedes que, ao responder as perguntas, chamasse os deputados pelo nome, em sinal de deferência com o Parlamento:
— É primeiro escalão com primeiro escalão.
A deputada Clarissa Garotinho (PROS-RJ), ao enfileirar diversas questões, disse esperar que o ministro tenha boa memória:
— Fiz várias perguntas e não vi nenhuma anotação.
Guedes pediu ajuda do secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, que passou as perguntas anotadas em um papel.
Cerca de três horas depois do início da sessão e obedecendo a ordem de inscrição, os primeiros governistas se manifestaram. Em tom elogioso, o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), disse que a aprovação da reforma vai possibilitar a discussão de outras pautas, como a reforma tributária, privatizações e o novo pacto federativo. Ele garantiu que o presidente Jair Bolsonaro atuará em defesa da proposta.
Guedes chegou à CCJ acompanhado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que deixaram o local em seguida. Maia retornou posteriormente.
Ao responder os questionamentos, mesclou dados técnicos com ironias disparadas, em especial, a deputados do PT e do PSOL. Ao classificar o rombo da Previdência como um “problema incontornável”, apelou aos parlamentares:
— Eu não tenho votos, vocês têm. Vocês são os representantes da população na democracia. Vocês tem que chegar e tomar uma providência.
Bonde do Tigrão
A sessão encerrou às 20h30, depois que o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) disse que o ministro Paulo Guedes é tigrão com aposentados, agricultores e professores e é "tchutchuca" com "a turma mais privilegiada do país". As frases fazem referência ao funk "Tchutchuca", do grupo Bonde do Tigrão, sucesso em 2001.
A resposta de Guedes, com o microfone desligado, foi “tchutchuca é a sua mãe e a sua avó”. O presidente da CCJ, Felipe Francischini, pediu para que ambos retirassem as ofensas, o que não aconteceu. Posteriormente, aconteceu uma confusão entre assessores e o deputado Zeca Dirceu, que culminou em tumulto na saída.
O ministro era aguardado na Comissão na última semana, mas, horas antes da sessão, cancelou o compromisso. Em nota, o Ministério da Economia atribuiu a decisão à “falta de relator da proposta”, que seria escolhido posteriormente. Nos bastidores, porém, a ausência foi atribuída ao temor de ficar exposto à oposição, já que havia a ameaça de esvaziamento da sessão por deputados do centrão.
A admissibilidade do texto deverá ser votada na CCJ no dia 17 de abril. Depois, seguirá para a comissão especial criada exclusivamente para discutir a proposta, onde deverá ser modificada antes de ir à plenário.