A prisão do ex-presidente Michel Temer traz à luz personagens obscuros do entorno do emedebista e que até então estavam esquecidos, como o empresário Vanderlei de Natale, o coronel José Baptista Lima Filho e o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. Dono da construtora Construbase, Natale também teve mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça Federal nesta quinta-feira.
As relações dele com Temer foram reveladas por Zero Hora em junho de 2017. À época, reportagem mostrou que o empresário havia emprestado um helicóptero para que Temer visitasse sua cidade natal, Tietê, em 2014. A aeronave pertencia à Juquis Agropecuária Ltda, outra empresa de Natale. Temer estava na cidade em compromisso oficial, conforme registra a agenda da Vice-Presidência da República do dia 9 de março de 2014.
Procurado pela reportagem, o Palácio do Planalto disse na ocasião que Temer havia viajado em um helicóptero da FAB, o que contraria relatos de testemunhas e as próprias fotografias dele descendo da aeronave da Juquis. Após a publicação da reportagem, o Planalto corrigiu a informação e reconheceu que a viagem havia sido feita no helicóptero de um "amigo" do presidente, Vanderlei de Natale. Ao mudar de versão, o Planalto justificou que, na resposta ao questionamento anterior, houve confusão de datas durante a pesquisa à agenda oficial.
Conforme a PF, a Construbase pagou R$ 1,9 milhão para uma empresa de fachada, suspeita de escoar propina na obra da Usina de Angra 3, em Angra dos Reis, A empreiteira surgiu no inquérito da Polícia Federal a partir da quebra de sigilo CG Consultoria. Segundo o Ministério Público Federal, a CG foi usada para driblar 35 pagamentos a Othon Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear.
Othon foi condenado a 43 anos de cadeia e teve mandado de prisão preventiva indeferido pelo juiz Marcelo Bretas na operação desta quinta-feira. O almirante, contudo, já havia admitido que os contratos com a CG — cujo dono, Carlos Gallo, é seu amigo de longa data — foram forjados. Na mesma investigação, o MPF investiga repasses para a empresa Argeplan, do coronel Lima.
Ao vencer licitação para contrato de R$ 162 milhões, a empresa finlandesa AF teria, de acordo com a denúncia dos procuradores, sido obrigada a subcontratar duas empresas locais: a Engevix e a AF Brasil - da qual a Argeplan fez parte.
Lima era gestor do contrato com a Eletronuclear, pela parte da Argeplan. Sócio da Engevix, José Antunes Sobrinho afirmou à PF que “a Argeplan só conseguiu o contrato por ser ligada a Temer, e precisou subcontratar a Engevix porque não tinha capacidade para o serviço”. Sobrinho também relatou pagamento de R$ 1 milhão de propina a Lima.
No despacho que deu origem às prisões desta quinta-feira, Bretas cita o voo de Temer no helicóptero de Natale e lembra que há fotos do empresário com Lima.
“O MPF assevera que há uma relação pessoal entre Vanderlei de Natale, o sócio da Construbase, Coronel Lima, responsável pela PDA, e o ex-presidente Michel Temer. De fato, na efetivação da medida de busca empreendida na sede da Argeplan, foram localizadas fotos de Vanderlei com Lima (...). Temer teria confirmado ser amigo de Natale quando confrontado sobre viagem no helicóptero do empresário”, escreve o juiz em trecho da decisão.
Por coincidência, Temer fez sua última aparição pública na terça-feira, quando almoçou no Parigi, sofisticado restaurante de São Paulo, com o empresário Antônio João Abdalla Filho, o Toninho Abdalla. Ele é dono de outro helicóptero usado por Temer para viagem oficial a Tietê, conforme noticiou Zero Hora em 21 de junho de 2017.
O Planalto admitiu à época que o presidente havia viajado na aeronave, que o dono era seu "conhecido" e que "o vice-presidente pagou pelo serviço, conforme nota fiscal em anexo". O documento apresentado, contudo, registrava compra de 256 litros de combustível, e não do aluguel do helicóptero.
A assessoria de Temer exibiu ainda uma folha em papel timbrado, apresentada como recibo, na qual a empresa de Abdalla afirma que recebeu do "Sr. Michel Miguel Elias Temer Lulia" a quantia de R$ 1.107,45. O valor é R$ 75,68 superior ao da nota fiscal anterior, da compra de combustível.
Segundo a empresa, Temer pagou por meio do cheque 696398, do Banco Santander, pelo "reembolso de despesas diretas incorridas no voo São Paulo-Tietê realizado em 6 de março de 2016, na aeronave de nossa propriedade, prefixo PR-HAA". Um voo de ida e volta a Tietê, em um helicóptero modelo Esquilo, com capacidade para cinco passageiros, foi orçado na época em R$ 6.666.