Além do jatinho da JBS e do helicóptero de um amigo dono de construtora alvo da Lava-Jato, o presidente Michel Temer utilizou uma terceira aeronave particular quando era vice-presidente da República. Em 6 de março de 2016, Temer foi a Tietê (SP) em um helicóptero do empresário Antônio João Abdalla Filho. Sócio da Citrosuco, maior processadora de suco de laranja do mundo, Abdalla é amigo de Temer e esteve em Brasília para comemorar a posse do peemedebista na Presidência, em maio do ano passado.
A assessoria do Planalto informou que o então vice-presidente pagou pelos serviços com recursos próprios, apresentando uma nota fiscal de compra de combustível e um recibo simples com valores diferentes.
A exemplo da viagem de 2014, a ida a Tietê no ano passado também foi para participar dos festejos de aniversário do município, terra natal do presidente. A visita ocorreu pouco mais de um mês antes da votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara, período em que Temer cabalava votos entre os deputados na tentativa de cassar a petista. Por conta da expectativa de receber o futuro mandatário da nação, a prefeitura preparou intensa programação para o filho ilustre, com direito a inauguração de uma galeria com seu nome na escola onde foi alfabetizado.
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Tanto na chegada quanto no momento de embarcar de volta para São Paulo, assessores não permitiram que ele fosse fotografado junto à aeronave. Zero Hora obteve fotos do aparelho, um Eurocopter modelo EC 135P2, prefixo PR-HAA, e de Temer cumprimentando o prefeito do município, Manoel David (PSD), logo após se distanciar do local de pouso.
Questionado por e-mail por Zero Hora às 13h29min de terça-feira (20), o Palácio do Planalto respondeu no dia seguinte. Em e-mail enviado às 15h52min desta quarta (21), a assessoria de comunicação do governo admitiu que o presidente viajou na aeronave, que o dono é seu "conhecido" e que "o vice-presidente pagou pelo serviço, conforme nota fiscal em anexo". O documento é de uma compra de querosene para aviação, e não do aluguel do helicóptero. Além disso, não mostra que a despesa tenha sido paga pelo governo.
Emitida no dia 7 de março de 2016 – um dia após a viagem a Tietê –, e com valor de R$ 1.031,77, a nota foi gerada pela Air BP Brasil Ltda e registra a venda de 256 litros de combustível à Paulicopter, empresa de Antônio João Abdalla Filho. Zero Hora pediu então ao Planalto uma comprovação de que Temer, ou o governo, pagou pelo transporte aéreo.
Em resposta, a assessoria de Temer enviou uma folha em papel timbrado da Paulicopter, apresentada como recibo. No documento, a empresa afirma que recebeu do "Sr. Michel Miguel Elias Temer Lulia" a quantia de R$ 1.107,45. O valor é R$ 75,68 superior ao da nota fiscal anterior, da compra de combustível.
Segundo a empresa, Temer pagou por meio do cheque 696398, do Banco Santander, pelo "reembolso de despesas diretas incorridas no voo São Paulo-Tietê realizado em 6 de março de 2016, na aeronave de nossa propriedade, prefixo PR-HAA". Esse recibo foi enviado a ZH às 16h27min desta quarta-feira (21).
Zero Hora voltou a questionar o Planalto se o recibo diz respeito apenas ao combustível ou também ao uso da aeronave. Questionou ainda por que o presidente pagou com recursos próprios um deslocamento para compromisso oficial. Até as 19h30min, não houve retorno.
A reportagem consultou uma empresa de táxi aéreo de São Paulo. Um voo de ida e volta a Tietê, em um helicóptero modelo Esquilo, com capacidade para cinco passageiros, foi orçado em R$ 6.666. Segundo a empresa procurada, o deslocamento entre o Campo de Marte, de onde partiu a aeronave usada por Temer, e o aeroclube de Tietê leva 40 minutos. Cada hora de voo custa R$ 5 mil. O preço informado não inclui o tempo de espera em solo.
Na semana passada, quando Zero Hora revelou que Temer havia viajado a Tietê em 2014 em um helicóptero do empresário Vanderlei de Natale, dono de uma construtora investigada na Lava-Jato, o Planalto disse inicialmente que o deslacamento havia sido feito em aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB). Só após a publicação da reportagem, com fotos do presidente desembarcando do aparelho, a assessoria de comunicação voltou atrás e confirmou o voo no helicóptero de Natale, classificado como "amigo" de Temer.
Com capacidade para seis passageiros, o Eurocopter PR-HAA usado por Temer em 2016 aparece nos registros da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) como sendo operado pela Paulicopter. O aparelho está em nome da Execution Assessoria e Consultoria Empresarial, empresa com sede em São Bernardo do Campo. Um dos sócios da Execution é o advogado Adauto Kiyota.
Kiyota e Abdalla são amigos e parceiros de golfe. Conhecido como Toninho Abdalla, o empresário é de origem libanesa, assim como Temer, e recebeu parte da maior indenização já paga por uma desapropriação de terreno no Brasil. A família dele possuía uma área de 717 mil metros quadrados em região nobre de São Paulo. Para transformá-la no Parque Villa-Lobos, o Estado pagou R$ 2,5 bilhões.
A indenização foi dividida com o primo José João Abdalla Filho. Conhecido como Juca Abdalla, ele sempre teve bom trânsito entre tesoureiros de campanhas eleitorais. Em 2006, tentou entrar na política como suplente de senador. Formou chapa em Roraima com Teresa Surita, ex-mulher do atual presidente do PMDB, Romero Jucá. Segundo a prestação de contas à Justiça Eleitoral, financiou praticamente sozinho toda a campanha, desembolsando R$ 5,12 milhões, mas a dupla foi derrotada nas urnas.