Ao destravar a liberação de verbas federais e as indicações políticas a cargos de segundo escalão, o governo federal deflagrou as negociações para aprovação da reforma da Previdência. A proposta começa a tramitar na próxima semana, com os primeiros debates na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Maior e mais influente colegiado da Casa, a CCJ foi oficialmente instalada ontem. O governo tem maioria no órgão. Dos 66 assentos, 39 pertencem ao bloco liderado pelo PSL. O partido do presidente Jair Bolsonaro terá ainda o comando dos trabalhos, com Felipe Francischini (PR) na presidência da comissão e Bia Kicis (DF) de vice.
A hegemonia não significa uma tramitação tranquila. Mesmo com as quatro legendas de oposição detendo apenas 12 vagas, há resistências em bancadas que simpatizam com o governo, como o Podemos e o Solidariedade. Esse outro bloco, formado ainda por PDT e PPS, tem 14 cadeiras na CCJ.
O maior obstáculo, contudo, vem de aliados lotados no centrão, grupo suprapartidário conhecido pelo furor fisiológico. Para saciar o apetite, o Planalto divulgou no início da semana a liberação de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. Serão R$ 711 milhões de rubricas individuais e mais R$ 319 milhões às bancadas estaduais, irrigando as bases eleitorais dos congressistas.
A expectativa era de que o anúncio melhorasse a articulação, sobretudo na Câmara, mas a divisão dos recursos acabou criando mais problemas. Ao descobrirem que MDB, PT, PP e PSDB foram os maiores agraciados numa lista que contempla até mesmo PSOL e PCdoB, os aliados mais fiéis reagiram. Presidente da Câmara e principal fiador da reforma, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que a medida era “inócua”.
– O ambiente é favorável (à aprovação da reforma), mas o governo precisa se ajudar. Tem de parar de fazer oposição a si mesmo – diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS).
Diante da ineficácia da liberação das emendas, o Planalto planeja começar a discussão em torno da nomeação de indicados políticos para cargos de segundo e terceiro escalões. Os primeiros passos estão sendo dados. O ministro da Economia, Paulo Guedes, almoçou ontem com Maia e líderes partidários e, ainda nesta semana, o ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, irá receber parlamentares para coletar demandas.
– De agora em diante, até a aprovação da reforma, o presidente da República se chama Rodrigo Maia. Ele é quem vai negociar mudanças no texto, liberação de cargos, tudo. Ele tem praticamente carta branca do governo – resume um influente parlamentar.
Em reunião da executiva partidária, o DEM discutiu ontem ingressar na base governista. Após mais de uma hora de debate, a cúpula preferiu manter prudente distância. Embora conte com três ministros, o partido entende que ainda é muito cedo para um embarque oficial, sobretudo em meio às sucessivas trapalhadas de Bolsonaro. Pesou também a falta de autonomia do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, considerado refém da influência que os generais com gabinete no Palácio do Planalto detêm sobre o presidente.
– É muito cedo para aderir. Existe muita crítica a ser feita ainda. E o próprio Planalto tem de se posicionar. Não houve um convite, um aceno – comenta uma testemunha da reunião.
O governo pretende votar a reforma na CCJ na última semana de março. Pelo calendário estipulado por Maia, o texto pode ser enviado ao Senado em junho. Guedes disse ontem que, se for preciso, retarda o envio ao Congresso da proposta de desvinculação das receitas no Orçamento, para evitar contaminar os debates.
Em minoria na Câmara e no Senado, a oposição se uniu às centrais sindicais em atos país afora. Pelo menos 11 entidades estão organizando uma greve geral no dia 22 de março. Sob o slogan “Se votar, não volta”, os sindicalistas também farão mobilizações em aeroportos e nas bases eleitorais dos parlamentares, alertando sobre os riscos de perda de apoio popular a quem se mantiver favorável à reforma.