O que era para ser uma ofensiva do governo federal para enfraquecer os movimentos de oposição à reforma da Previdência pode virar uma dor de cabeça para o Palácio do Planalto. Ao assinar a medida provisória (MP) que torna ainda mais rígidas as regras para a arrecadação de sindicatos, Jair Bolsonaro desagradou a aliados e provocou ruídos na comunicação com um dos principais articuladores pela aprovação das mudanças nas aposentadorias: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
No Rio de Janeiro, onde passaria o feriado de Carnaval, Maia precisou abdicar de parte da folga para ouvir um bloco de parlamentares descontentes. Aos mais próximos, relatou ter ficado "vendido" com a situação. Para ele, o governo deveria focar apenas nas alterações previdenciárias, sem dispersões.
Apesar de ser contrário à facilidade de cobrança de contribuições pelos sindicatos, o deputado não gostou de não ter sido consultado sobre o envio da MP, que passou a valer na última sexta-feira (1º) e que terá de ser votada em até quatro meses para não ser arquivada.
Atuando nos bastidores para angariar apoio à reforma da Previdência, Maia irá receber lideranças sindicais nas próximas semanas. Ele tem organizado encontros em sua residência oficial, em Brasília, entre caciques partidários e a equipe econômica do governo. Há cerca de duas semanas, ele reuniu o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, líder da Força Sindical no país. Na oportunidade, acenou com a possibilidade de apoio ao texto, apesar de sugerir mudanças.
— O Rodrigo (Maia) me convidou, fui até lá, me coloquei como aliado para apoiar algumas mudanças (na Previdência). Dez dias depois, vem essa pedrada do governo — comentou Paulinho.
Para ele, o governo editou a MP neste momento para dificultar que entidades de classe cobrem a contribuição sindical, equivalente a um dia de trabalho, prevista para ser descontada na folha salarial dos trabalhadores em março. As novas definições proíbem o desconto e definem que qualquer repasse deva ser feito por meio de boleto bancário.
O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), refuta a hipótese de retaliação aos sindicatos devido à contrariedade à reforma da Previdência. Ele ainda manda um recado aos colegas de plenário, lembrando que o tema já havia sido aprovado na reforma trabalhista sancionada em 2017.
— O que havia era o Judiciário legislando, desafiando uma decisão que foi tomada pela Câmara e pelo Senado. Temos de fazer essa pequena lembrança a alguns parlamentares — disse.
Nos próximos dias, será instalada no Congresso comissão mista, que vai reunir deputados e senadores, para a discussão da MP. A relatoria do grupo deverá ficar com o deputado Hugo Motta (PRB-PB). Parlamentares da oposição prometem apresentar emendas para desconfigurar a proposta do Planalto, mas também ameaçam incluir itens presentes em outros projetos que estão parados no Legislativo, como retaliação.
Um deles seria a tentativa de incluir a "contribuição negocial", tributo que seria cobrado de todos os trabalhadores de uma categoria, após aprovação em assembleia e homologação de acordo coletivo, o que iria em sentido contrário à intenção do governo. Em busca de maior autonomia, críticos ao governo também articulam a criação de um conselho nacional para regular a atuação sindical.
Caso o governo consiga aprovar a MP, o impasse deverá chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). As entidades entendem que o Planalto fere a Constituição ao interferir na organização sindical.
Pressão em entidades
O que prevê a MP editada pelo governo?
- A contribuição para sindicatos só poderá ser realizada após autorização expressa e individual do trabalhador, não sendo válida a simples aprovação do desconto em assembleia geral da categoria e sua posterior inclusão em acordo coletivo.
- Em caso de concordância, o pagamento terá de ser feito por meio de boleto bancário, a ser enviado à casa do empregado ou à empresa, e não mais em desconto na folha de pagamento.
- A MP foi assinada em 1º de março, quando passou a ter efeito. No entanto, precisa ser aprovada pelo Congresso em até quatro meses para seguir valendo.
Por que o governo federal editou a MP?
- Apesar de a reforma trabalhista, sancionada em 2017, ter tornado facultativa a contribuição sindical, diversas entidades conquistaram na Justiça o direito de cobrar os valores dos empregados após decisões tomadas em assembleias e incluídas em acordos coletivos.
- O governo encaminhou a proposta contra a Justiça do Trabalho, com o objetivo de evitar o que classifica de "ativismo judicial".
Por que o governo escolheu este momento para editar a MP?
- A partir do início das discussões sobre a reforma da Previdência, sindicatos e entidades de classe começaram a organizar protestos contra o texto que, entre outros pontos, propõe idades mínimas para a aposentadoria. Os movimentos são bancados pelas organizações, a partir do dinheiro recebido de contribuições dos trabalhadores.
- As contribuições são, especialmente, as mensalidades de filiados e a cobrança de um dia de trabalho dos empregados, o que ocorre em março.
- Opositores avaliam que editar a MP no início de março, fazendo com que as contribuições tenham de ser feitas com autorização expressa e apenas por boleto bancário, é uma forma de sufocar financeiramente os sindicatos e enfraquecer os protestos.
- Já o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, entende que a mudança é o primeiro passo para a "liberdade sindical".