A sinalização do presidente Jair Bolsonaro de que poderá buscar a extinção da Justiça do Trabalho coloca em jogo o destino de estrutura responsável por mais de 5 milhões de processos à espera de julgamento, centralizados na atuação de 3,6 mil magistrados e 40,7 mil servidores em todo o país. Enquanto juízes, desembargadores e ministros criticam eventual mudança na organização do Judiciário e prometem mobilização contra a medida, interlocutores ligados ao meio empresarial demonstram simpatia pela ideia, cuja análise expõe a alta complexidade do tema.
– Qual o país do mundo que tem (a Justiça do Trabalho)? Tem de ser a Justiça comum. Isso daí (a eventual extinção) a gente poderia até fazer. Está sendo estudado. Em havendo clima, poderemos discutir essa proposta e mandar para frente – afirmou o presidente, em entrevista ao SBT, no dia 3.
A Justiça do Trabalho é considerada ramo especializado da Federal. Por isso, tem autonomia e estrutura própria. Seu órgão máximo é o Tribunal Superior do Trabalho (TST), seguido por 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), no segundo grau, e por 1,5 mil varas trabalhistas, no primeiro. Bolsonaro não detalhou seu projeto, mas especialistas interpretam que a fala dele poderia representar, na prática, tentativa de incorporar o ramo à Justiça Federal comum.
– Vários países apresentam estruturas próprias que avaliam situações de conflito do trabalho. A Alemanha, por exemplo, tem tribunal federal, na última instância, como o TST. Lá, também há tribunal de recursos, similar aos nossos TRTs, além de tribunais inferiores, como são chamados aqueles de primeiro grau. São os três níveis que temos no Brasil – compara Carolina Gralha, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região (Amatra IV), sediada em Porto Alegre.
Discussão opõe custo elevado e tempo de tramitação menor
Um dos argumentos de quem defende a proposta ventilada por Bolsonaro é o de que a medida resultaria em alívio aos cofres públicos. Em 2017, as despesas do ramo trabalhista somaram R$ 18,2 bilhões, equivalentes a 20,1% dos gastos totais do Judiciário (R$ 90,8 bilhões). O valor foi superior ao registrado pela Justiça Federal, de R$ 11,2 bilhões (12,4%), e inferior ao da Estadual, de R$ 52,1 bilhões (57,4%). Os dados integram a edição mais recente do Justiça em Números, publicação organizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
– A extinção seria a da estrutura especializada para processos trabalhistas. Mas não seria o fim da legislação e dos direitos nessa área. A Justiça Trabalhista tem estrutura muito grande. Seus custos são elevados. Julgar os casos é necessário, mas a organização, com prédios e juízes exclusivos, não é. Não vejo por que não discutir a reunião de competências da Justiça – observa o advogado Adelmo Emerenciano, que atua em áreas como a do Direito Empresarial.
Carolina rebate argumentando que as varas e os tribunais foram criados para “pacificar conflitos”, e não “para dar lucro”. Para a presidente da Amatra IV, a especialização do ramo gerou benefícios como redução no tempo de julgamento das ações.
Conforme o CNJ, o intervalo médio de tramitação dos processos em 2017 no primeiro grau da Justiça do Trabalho, na fase de conhecimento (na qual o juiz recebe as exposições dos envolvidos até proferir a sentença), foi de 11 meses. Enquanto isso, nos mesmos critérios de comparação, o período foi de três anos e oito meses na Federal e três anos e sete meses na Estadual.
– A Justiça do Trabalho apresenta soluções tanto para questões individuais quanto para macro. É preciso analisá-la como instrumento de melhorias – pontua Carolina.
Não existe estatística que confirme fala do presidente
Ao fazer comentários sobre o tema, Bolsonaro ainda mencionou que o Brasil tem “mais ações trabalhistas do que o mundo todo junto”. O CNJ e o TST afirmam que não apresentam números que permitam tal comparação, já que os modelos de tribunais variam entre países. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em declarações recentes à imprensa, também informou não ter estatísticas para fazer essa análise.
Dados do TST indicam que a reforma trabalhista promovida pelo governo Michel Temer, em vigor desde novembro de 2017, provocou redução de novas ações na área. Entre janeiro e setembro do ano retrasado, antes das mudanças na lei, as varas haviam recebido cerca de 2 milhões de processos no país. Em 2018, no mesmo período, o número caiu 36,1%, para 1,2 milhão.
No Estado, também houve baixa. Em todo o ano de 2018, frente a 2017, a quantidade de novos processos no primeiro grau teve redução de 36,4%, para 123,9 mil, aponta o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
Com a reforma, os empregados que perdem ações judiciais têm de pagar honorários de sucumbência, destinados a defesa da outra parte, o que desestimulou os litígios.
Volume de casos e amplitude de competências aumentam impasse
A Justiça do Trabalho registrou 5,5 milhões de casos pendentes de julgamento ao final de 2017, aponta o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O número foi inferior à quantidade de processos à espera de solução no ramo Federal (10,3 milhões) e no Estadual (63,4 milhões). Na soma de todos os segmentos, o Poder Judiciário brasileiro fechou o ano retrasado com 80,1 milhões de ações nessa situação.
– Se a Justiça do Trabalho migrasse para a Federal, oneraria ainda mais o tempo de tramitação e os custos do Judiciário. Se fosse integrada à Estadual, o sistema explodiria, dadas as condições dos Estados – sustenta o advogado trabalhista Guilherme Wunsch, professor da Unisinos. – A Justiça do Trabalho não está imune a críticas. A própria reforma já provocou freio nas ações – emenda.
Questionador de aspectos relacionados à organização do ramo no país, o sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP), afirma que, “mais importante do que extingui-lo, é eliminar seus defeitos”. Entre eles, segundo Pastore, está a “enorme subjetividade” com que os juízes “usam os princípios” da Constituição. Para o professor, a atuação dos magistrados segue com “excesso de amplitude”:
– Um dos problemas é que os juízes do Trabalho do Brasil julgam conflitos de naturezas jurídica e econômica. Na maior parte dos países avançados, julgam apenas os de ordem jurídica, porque, na sua formação, não aprendem como se dão preços, salários, produtividade, processo inflacionário. São treinados para decidir se determinado comportamento está de acordo ou contra as leis e os contratos.