A sinalização do presidente Jair Bolsonaro de que poderá buscar a extinção da Justiça do Trabalho coloca em jogo o destino de estrutura responsável por mais de 5 milhões de processos à espera de julgamento, centralizados na atuação de 3,6 mil magistrados e 40,7 mil servidores em todo o país.
Enquanto juízes, desembargadores e ministros criticam eventual mudança na organização do Judiciário e prometem mobilização contra a medida, interlocutores ligados ao meio empresarial demonstram simpatia pela ideia, cuja análise expõe a alta complexidade do tema.
Confira os argumentos
A favor da manutenção da Justiça do Trabalho:
“Pacificamos de forma coletiva conflitos que afetariam a sociedade”
Qual sua opinião sobre a sinalização de Bolsonaro?
Pelas estruturas e características da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, qualquer proposta de unificação é absolutamente impensável. Se considerarmos que a Justiça Federal já está assoberbada, seria ainda mais inundada com novas causas. A estrutura da Justiça do Trabalho é maior do que a da Federal. Temos 24 Tribunais Regionais e cinco Tribunais Regionais Federais no país. Há desembargadores e juízes que ingressaram nos mais diferentes períodos. Se unificarmos essas carreiras, teríamos problema imenso quanto à antiguidade para composição das turmas. As discussões inundariam o Conselho Nacional de Justiça. Seria uma tarefa tão gigantesca que me parece impraticável. Disse a interlocutores do governo que, se a preocupação é de aproveitar a capilaridade da Justiça do Trabalho, então é possível pensar em realinhar competências, em vez de unificar os ramos da Justiça.
O que poderia ser realinhado?
Por exemplo, competências criminais relacionadas ao fenômeno do trabalho. No Código Penal, temos crimes contra a organização do trabalho. O juiz do ramo poderia, com certo preparo, assumir essas tarefas, diminuindo eventual sobrecarga na Justiça Federal ou Estadual.
Por que a estrutura deve ser mantida?
Conflitos de trabalho existem e sempre existirão. Podem extinguir a Justiça do Trabalho 300 vezes, que continuarão existindo. O que fazemos é pacificá-los por meio de negociação e dissídios coletivos. É por esses caminhos que as disputas não se transformam em movimentos que impactam a sociedade, como greves. Aeronautas têm demandas todos os anos, e as empresas áreas, resistências. Por que as paralisações não acontecem? Por causa da Justiça do Trabalho. Se não houvesse quadro capacitado de magistrados, esses conflitos iriam desaguar com maior frequência em movimentos coletivos, que afetariam a população.
Contra a manutenção da Justiça do Trabalho
“Com a mudança, haveria mais juízes e economia, sem desproteção”
Qual sua opinião sobre a sinalização de Bolsonaro?
A ideia está relacionada ao custo-benefício. A Justiça do Trabalho gastou cerca de R$ 18 bilhões (em 2017). Será que há o retorno devido? Os juízes poderiam ser aproveitados em outros gargalos judiciais que existem no país, deixando as relações de trabalho voltadas para câmaras de conciliação. A ideia dele (Bolsonaro) é boa, até mais avançada do que a nossa (da CNT). Extinguir o TST (Tribunal Superior do Trabalho) é uma necessidade. É um tribunal superado, com visão só do trabalhador. A extinção levaria os ministros para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde poderia haver vara de trabalho. Teria ministros de outras áreas que participariam das discussões, para haver súmulas mais adequadas, com processos de modernização, desenvolvimento econômico e proteção ao trabalhador. Se tiver câmaras de conciliação, os processos podem ser decididos ali. Se não houvesse bom resultado, poderiam ir à Justiça comum.
Por que alterar a estrutura?
É muito arcaica. Tem visão de proteção total ao trabalhador em um processo econômico tão avançado. Por exemplo: não sabemos hoje se 50% das profissões irão existir no futuro. A Justiça do Trabalho opera ainda com visão antiga. Há casos em que não há muita justificativa. Por exemplo, não existe mais necessidade de termos trocador (cobrador) de ônibus nas cidades. Quando há discussão trabalhista, acaba se dando razão de que tem de haver trocador. A Justiça interfere no processo econômico. O modelo brasileiro está entre os mais atrasados do mundo.
Fusão com a Justiça do Trabalho iria onerar ou beneficiar a Justiça comum?
Acho que ajudaria. Haveria mais juízes e economia de recursos, e o trabalhador não ficaria desprotegido de forma alguma. A primeira posição da CNT é de acabar com o TST. Mas, se acabar com a Justiça do Trabalho (como um todo), também é bom.