Torrão natal de gerações de Battisti, o município de Progresso, no Vale do Taquari, recebeu a notícia da prisão do procurado nº 1 da Itália, no último sábado (12), com um misto de sentimentos. Detido em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, Cesare Battisti, 64 anos, não só era conhecido na localidade de 6,2 mil habitantes — onde foi acolhido com festa em junho de 2012 — como fez amigos por lá. Hoje, há quem lamente a captura e quem tenha dúvidas sobre a inocência do ex-ativista. Muitos evitam falar no assunto.
A aproximação começou quando o estrangeiro — então refugiado político no Brasil — esteve em Porto Alegre para o pré-lançamento de um livro. Na ocasião, recorda o empresário Pedro Battisti, 59 anos, surgiu a ideia de convidá-lo para participar do encontro da família e visitar a cidade, onde o sobrenome em comum é tradicional e estampa a fachada de inúmeros estabelecimentos comerciais.
Encorajado por Pedro, proprietário de um sítio no local, o italiano aceitou o convite, que incluiu uma churrascada no CTG Sinuelo da Amizade. À época, a novidade causou furor no lugar e virou notícia.
Houve quem condenasse a atitude, com medo da repercussão negativa, por se tratar de um homem que havia sido condenado à prisão perpétua na Itália, acusado pelo assassinato de quatro pessoas nos anos 1970. Até boatos de um possível atentado correram à boca pequena.
O fato é que o visitante foi recepcionado por dezenas de "parentes distantes" para uma confraternização que durou um fim de semana inteiro. Battisti bebeu vinho, comeu nacos de picanha, posou para fotos e até conversou com a imprensa, que foi em peso cobrir a inusitada visita – inclusive ZH, que publicou a história na edição de 18 de junho de 2012.
— Depois daquela ocasião, ele voltou outras vezes a Progresso, e eu fui à Itália, onde conheci um de seus irmãos, o Domenico. Pesquisei muito sobre o Cesare e, apesar de tudo o que dizem dele, tenho convicção de que é inocente. Acho que ele se deixou prender, porque não aguentava mais aquela situação de viver fugindo — afirma Pedro.
Por coincidência, o italiano foi detido na véspera de um encontro da família Battisti em Xanxerê (SC). O assunto repercutiu nas rodas de conversa.
— Ele chegou a participar de vários desses encontros com a gente. Ficamos sentidos — conta o empresário, que guardas fotos, livros autografados e outras lembranças do amigo.
Em Progresso, a confirmação da prisão não chegou a surpreender. Muitos já esperavam o desfecho. Primeiro, porque, em dezembro de 2018, o ex-presidente Michel Temer assinou o decreto de extradição de Battisti. Em segundo lugar, pela eleição de Jair Bolsonaro, que, logo após o ato de Temer, prometeu entregar o foragido "de presente" ao governo italiano. Bolsonaro obteve 53,21% dos votos válidos no município.
Proprietários da Funerária Battisti, na área central da cidade, Paulo, 64 anos, e Edi Battisti, 56 anos, conversaram com o ex-ativista quando ele passou por lá e ouviram a sua versão da história. Edi gostou do visitante, mas não esconde as dúvidas.
— Todo mundo aqui comentou a prisão dele. A gente prefere ficar neutro, porque ele era um cara legal, mas a verdade sobre o passado não temos como saber. Ele sempre dizia que participou do grupo envolvido nesses crimes, mas que não tinha matado ninguém. Mas e se fez alguma coisa? Se fez, tem de responder por isso — pondera Edi.
Nem todos se sentem à vontade para falar sobre o tema. É o caso de Odali Battisti, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Progresso. Procurado por ZH, preferiu silenciar:
— Não quero falar nada. É um assunto polêmico.
O ex-prefeito Edegar Cerbaro (PP), a quem coube, à época, dar boas-vindas ao recém-chegado, ressalta que a família Battisti é "muito respeitada e querida" no município. Por ter o mesmo sobrenome, destaca Cerbaro, o visitante foi tratado com cordialidade e educação – e retribuiu as gentilezas. Hoje, segundo o ex-gestor municipal, há quem afirme que ele "tem de pagar pelo que fez", embora as incertezas persistam.
— Pelo que a gente sabia, a Itália sempre esteve atrás dele, então não era novidade que um dia a prisão ia acontecer. Quando esteve entre nós, pareceu uma pessoa normal, muito tranquila. Até fisicamente era muito parecido com os Battisti aqui de Progresso, que são todos muito honestos, pessoas exemplares. Mas o que vou dizer? Pode ser que seja mesmo culpado, pode ser que não. Seja como for, acho que Cesare vai ser sempre lembrado em Progresso — conclui o ex-prefeito.
HISTÓRICO DO CASO
Década de 1970
- Battisti se envolve com grupos de luta armada de extrema-esquerda.
Década de 1980
- Foge da Itália e passa a maior parte do tempo no México. É condenado à prisão perpétua, acusado por quatro homicídios que teria cometido na década de 1970.
Década de 1990
- Exila-se em Paris, protegido pela legislação do governo de François Mitterrand.
2004
- Sem Mitterrand, a França aprova extradição de Battisti para a Itália. Ele foge rumo ao Brasil, onde vive clandestino.
2007
- É preso no Rio de Janeiro. Alega inocência.
2009
- Ministério da Justiça dá a ele status de refugiado político. Supremo Tribunal Federal (STF) aprova extradição, mas condiciona decisão ao presidente da República.
2010
- Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então presidente, decide, no último dia de seu mandato, pelo refúgio a Battisti no Brasil.
2011
- STF valida decisão de Lula. Battisti é solto e ganha visto de permanência.
2017
- Em setembro, defesa entra com habeas corpus preventivo no STF para evitar extradição. Caso fica sob relatoria do ministro Luiz Fux. No mês seguinte, Battisti é detido em Corumbá (MS) por evasão de divisas e, dias depois, recebe habeas corpus.
- O presidente Michel Temer decide extraditá-lo, mas espera decisão do STF. Fux concede liminar impedindo a extradição até que a Corte julge o hábeas.
- Em dezembro, Battisti vira réu no caso da evasão de divisas.
2018
- Em novembro, Fux conclui análise sobre o habeas corpus e pede que caso seja levado ao plenário. No mês seguinte, porém, decide, de forma monocrática, pela prisão.
- Em 14 de dezembro, Temer assina o decreto de extradição.
2019
- Na noite de 12 de janeiro, Battisti é preso em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
- No dia seguinte, um domingo, é levado diretamente para Itália em avião enviado pelo governo do país para buscá-lo.
- Na segunda-feira, desembarca em Roma e é levado para o presídio de Massama, em Oristano, na Sardenha. Na unidade, de segurança máxima e destinada à prisão de terroristas, será mantido durante seis meses em uma cela isolada. Conforme o Ministério do Interior da Itália, Matteo Salvini, Battisti, condenado à prisão perpétua, "passará o resto de seus dias na cadeia".