Andrea Campagna tinha 24 anos quando foi assassinado pelas costas em Milão, no dia 19 de abril de 1979, pelo grupo de extrema-esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), um dos protagonistas dos chamados anos de chumbo, período em que a Itália enfrentou grupos armados da esquerda e da direita.
Motorista da Digos, uma divisão da polícia italiana de combate ao terrorismo, Andrea foi morto, segundo um comunicado do PAC, por "torturar os proletários". Segundo a Justiça italiana, Cesare Battisti foi o responsável pelos disparos — um dos quatro homicídios atribuídos ao terrorista, que começa nesta segunda-feira (14), após uma fuga de quase 38 anos, a cumprir sua pena de prisão perpétua.
Para Maurizio Campagna, irmão de Andrea, hoje termina um ciclo.
— É um dia especial. Após quase 40 anos, os familiares podem finalmente dizer que a Justiça foi feita — afirmou à reportagem.
Segundo Maurizio, era inaceitável a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de conceder refúgio ao italiano por suposta perseguição política.
— A Itália não vivia sob uma ditadura. O processo contra Battisti passou nas três instâncias da Justiça italiana, com amplo direito de defesa, e ele foi condenado em todas elas — ressaltou.
De Veneza, Adriano Sabbadin também se emocionou ao acompanhar pela TV o desembarque de Battisti em Roma.
Esperei 40 anos por esse momento.
ADRIANO SABBADIN
filho de açougueiro assassinado por grupo de Battisti em 1979
— Um dia histórico — disse à reportagem.
Seu pai, Lino Sabbadin, um açougueiro de Mestre, na região de Veneza, foi assassinado em fevereiro de 1979. O assassinato — também realizado pelo PAC — era uma vingança à morte de um assaltante que tentou assaltar o açougue de Lino, que reagiu e o matou. Segundo a Justiça italiana, Battisti deu cobertura ao crime.
— Esperei 40 anos por esse momento. Quero agradecer muito ao presidente de vocês, Jair Bolsonaro (PSL). Sem sua ajuda, isso não seria possível — disse Adriano Sabbadin.
Ele, Maurizio e os familiares das outras duas vítimas de Cesare Battisti devem se encontrar ainda nesta semana com o ministro do Interior, Matteo Salvini, segundo anunciou o próprio político.
Neste domingo (13), logo depois de anunciada a prisão de Battisti na Bolívia, Salvini se encontrou em Milão com Alberto Torregiani, hoje com 54 anos e na cadeira de rodas desde fevereiro de 1979, quando seu pai foi assassinado pelo grupo de Battisti — ferido na ação, Alberto sobreviveu, mas perdeu o movimento das pernas.
— Agora meu pai pode repousar em paz — disse Torregiani.
Desfecho após anos de fuga
Battisti reconhece ter feito parte do PAC. O italiano, contudo, nega os crimes e diz ser vítima de uma perseguição, sendo condenado à revelia por uma delação premiada firmada por um antigo companheiro do grupo.
Sua fuga da Justiça italiana começou em 1981, quando ele escapou do cárcere e se refugiou na França, onde viveu alguns anos antes de se mudar para o México. Ele voltou para Paris na década seguinte, onde viveu até 2004 protegido por uma legislação aprovada pelo governo François Mitterrand que não reconhecia a lei italiana antiterrorismo.
Naquele ano seu status de refugiado foi revertido por decisão do então presidente francês Jacques Chirac. No Brasil, onde ele foi preso em 2007 e depois receberia refúgio, sua condição também foi alterada com a mudança do governo.
Com a prisão de Battisti, comemorada na Itália por políticos de diferentes colorações, o governo anunciou que continuará a trabalhar pela extradição de outros condenados por terrorismo nos "anos de chumbo" que continuam no Exterior — pelo menos 50 pessoas continuam refugiados em países como França, Suíça, Argentina e Nicarágua, segundo um centro de pesquisa dedicado à luta armada dos anos 1970.