O presidente Michel Temer terá de tomar uma decisão incômoda nos próximos dias. Precisará escolher entre sancionar uma lei que, em tese, beneficia os municípios, embora seja criticada pela equipe econômica do governo, ou vetar o texto, contrariando os 300 deputados que votaram a favor de flexibilizar punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A proposta, aprovada no início de dezembro, isenta de punição os prefeitos que gastarem acima de 60% da receita com servidores, desde que comprovem queda na arrecadação superior a 10%, referente ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou de royalties e participações especiais ligados à extração de petróleo.
Usando a crise econômica dos últimos anos como mote, parlamentares defendem o projeto citando "a defesa do municipalismo". Apesar de o PSDB ter sido o único partido na Câmara, junto ao PSL, que encaminhou votação contrária ao texto, o líder tucano na Casa, deputado Nilson Leitão (MT), que não estava presente na sessão, afirma que a mudança irá ajudar prefeitos que enfrentam dificuldades sazonais para fechar o caixa.
— Aprovamos porque existe, nos últimos anos, uma avalanche de demandas da União para cima de municípios e Estados. Aumentam as responsabilidades, mas não os recursos. E não há previsibilidade nos repasses do FPM — cita, sustentando que a dificuldade atinge, em especial, regiões distantes dos grandes centros urbanos.
Os acordos em que o governo federal encaminha recursos para programas e as prefeituras entram com mão de obra e complementação financeira são alvo histórico de críticas de entidades municipalistas. As reclamações apontam para insuficiência dos valores repassados, fazendo com que as administrações locais tenham que abrir o caixa para, por exemplo, contratar servidores via concurso público.
Ainda assim, a proposta aprovada não resolveria o problema, na opinião do presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi. Ele afirma que poucas localidades se enquadrariam nas regras que constam na proposta, excluindo prefeitos que necessitam de prazo para colocar as contas em dia.
– Não atende boa parte dos municípios. Se a receita cair 10%, é uma tragédia. Isso dificilmente acontecerá. Não vemos benefícios às prefeituras com esse projeto – comenta.
Limites da lei são "fictícios", diz especialista
Atualmente, caso ultrapasse o limite de 60% da receita com pagamento da folha, a cidade tem até oito meses para se readequar. Caso isso não ocorra, repasses federais são bloqueados e a possibilidade de contratar operações de crédito é suspensa.
Apesar de representar flexibilização na LRF, criada em 2000 com o objetivo de disciplinar os gastos de todas as esferas, a proposta não traria impactos significativos aos cofres municipais, na opinião do especialista em finanças públicas Raul Velloso. Para ele, os limites são fictícios, já que grande parte das cidades não consegue se adequar. Ele lembra que a despesa mais difícil de combater é com os inativos, que não podem ser demitidos.
– Não estou preocupado porque é um fato consumado. A Lei (de Responsabilidade Fiscal) virou letra morta. Tem de flexibilizar e depois reformar a Previdência – pontua.
Ele também culpa a recessão econômica pela queda das receitas, o que, ao lado do inchaço do funcionalismo municipal, penaliza prefeitos com situações que não conseguem evitar.
Professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), o economista Newton Marques tem visão oposta. Ele acredita que as alterações podem levar ao descuido dos gestores com suas contas, além de prejudicar os governantes que cumprem as regras atuais:
– Os limites foram criados para serem respeitados no que tange à prudência fiscal. Tem que ter penalização para quem não segue as regras.
Marques defende que prefeitos atuem para equilibrar as contas quando os limites forem ultrapassados devido à queda de arrecadação. Uma das saídas seria a elevação de impostos municipais, ligado à austeridade na condução da prefeitura.
O temor do economista da UnB é compartilhado pela equipe econômica do Planalto, que avalia se posicionar contrariamente à sanção de Temer ao texto. Estudos serão apresentados projetando possíveis impactos financeiros a médio e longo prazos. Já a equipe política defende que a mudança seja oficializada para evitar conflitos com apoiadores regionais favoráveis à medida, em especial, de localidades pequenas, que sofrem maior influência das variações de repasses federais.
O prazo para a sanção do projeto pelo presidente encerrará às vésperas do Natal. Mesmo que o texto se transforme em lei, analistas acreditam que a ação poderá levar a batalhas jurídicas. A Constituição Federal determina que nenhum ente público, seja federal, estadual ou municipal, pode exceder o limite apontado em lei com remunerações de ativos e inativos, o que abriria espaço para contestações junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O que a Lei de Responsabilidade Fiscal determina?
– Municípios não podem exceder o índice de 60% da receita com o pagamento de servidores ativos e inativos.
– Se a norma for descumprida, e não normalizada em até oito meses, a prefeitura sofre sanções:
Bloqueio de repasses federais.
Suspensão em contratações de operações de crédito.
Proibição de obter garantias de outros entes públicos.
O que o projeto aprovado determina?
Municípios e prefeitos ficarão livres de punição se estourarem o limite de gastos com pessoal quando:
– A queda de receita for superior a 10% no quadrimestre comparado com o mesmo período do último ano.
– A redução seja nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios, de royalties ou participações especiais.
– O índice de comprometimento com pessoal atual não seja superior a 60% se comparado com a arrecadação do mesmo quadrimestre do último ano.
A lei já está valendo?
-Não. O projeto já foi aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. Para começar a valer, precisará ser sancionado pelo presidente Michel Temer. Caso seja vetado, o Congresso analisa a questão mais uma vez. Se o veto de Temer for derrubado, a Casa irá promulgar as alterações que, mesmo sem a concordância do Executivo, terão efeito e lei.
Confira exemplo de gastos de prefeitura com a nova proposta
Município arrecadou R$ 1 mil entre maio e agosto de 2018 e gastou R$ 550 (55% da receita) com servidores ativos e inativos. No mesmo período de 2019, arrecadou R$ 900 (queda de 10%) e gastou R$ 600 (66% da receita).
O prefeito poderá pedir a aplicação dos novos dispositivos da lei.
Se o pedido for aceito, a conta irá comparar os gastos com pessoal de 2019 (R$ 600), com a arrecadação de 2018 (R$ 1 mil).
O resultado será de 60% de comprometimento da receita, o que enquadraria o município na nova lei.
No entanto, o prefeito teria que normalizar as contas em até oito meses. Caso não ocorra, os benefícios da nova lei seriam suspensos.