Às vésperas do final da atual legislatura e da renovação imposta pelos eleitores em outubro, a Câmara dos Deputados aprovou, por expressiva maioria, projeto que dá margem à ameaça mais consistente já registrada até agora em 18 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O melhor desfecho para o texto deveria ser o veto do presidente Michel Temer, pois a mudança livra de punição municípios que ficarem acima do limite de gastos de 60% da receita com servidores ativos e inativos. Por mais que a crise econômica tenha afetado as receitas das prefeituras, a alteração numa lei que se constitui em garantia de estabilidade fiscal não pode ser vista como solução.
Na prática, a queda na arrecadação de tributos devido à crise econômica faz com que um elevado número de municípios esteja hoje acima do limite legal de gastos com a folha de servidores. Nada menos de 1.163 prefeituras já descumprem a lei. Outras 589 estão diante do risco de ultrapassar o teto de gastos, conforme cálculos de técnicos da Câmara. A situação não é muito diferente da enfrentada pelos Estados. Nada menos de 14 deles já superam hoje o teto fixado para dispêndios com servidores. Em ambos os casos, a questão central está com os servidores inativos, que avançam de forma acelerada sobre as receitas, hoje em queda.
No âmbito das cidades, pelas regras aprovadas pela Câmara, a alteração só vale se a queda na arrecadação for causada por redução nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou royalties e participações especiais. São, portanto, fatores alheios à qualidade da gestão dos municípios. Ainda assim, as alternativas para a crise enfrentada hoje, tanto em âmbito municipal quanto estadual, não podem ser buscadas em tentativas de abrandamento de uma legislação que se constitui em pilar da estabilidade.
É compreensível que, com menos verbas disponíveis para atender às demandas dos munícipes, também crescentes, os prefeitos se empenhem em buscar saídas, até mesmo porque muitos deles estão de olho na perspectiva de reeleição. A situação, porém, deveria motivar saídas mais realistas, que realmente contribuam para adequar as despesas às receitas. Mais próximos dos cidadãos, que residem neles, os municípios precisam se mostrar mais preparados para atender às aspirações das comunidades, em sua maioria associadas a maior bem-estar para todos.