Tudo é chocante nas suspeitas de fraude envolvendo um contrato bilionário entre o Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp) e a prefeitura de Canoas. Uma entidade surgida na periferia de São Paulo, do nada, conquistou um contrato de R$ 1 bilhão para a gestão de instituições de saúde no município gaúcho. Entre elas, estão os hospitais Universitário (HU) e o de Pronto Socorro (HPSC), nos quais a destinação de recursos públicos em favor da saúde das comunidades atendidas deveria ser prioridade. O que veio à tona a partir da operação deflagrada ontem pelo Ministério Público Estadual, porém, são evidências fortes de desvios de somas elevadas que deveriam estar sendo usadas para um atendimento menos desumano no sistema público.
Um aspecto surpreendente é o fato de a instituição – que venceu a concorrência pela modalidade conhecida como "melhor técnica", pela qual o fator custo fica em segundo plano – ter conseguido se manter em atuação desde dezembro de 2016 até agora, mesmo com a precariedade registrada no atendimento. As denúncias de abuso não se resumem ao fato de estarem sendo usados recursos públicos para bancar o pagamento de salários mensais de até R$ 90 mil, além de gastos com viagens de férias. E isso numa instituição de origem suspeita, na qual as trocas de comando em cargos-chaves ocorrem por revezamento entre integrantes de uma mesma família.
Antes de o Ministério Público entrar em ação, culminando com as prisões registradas agora, o pagamento de alguns procedimentos já vinha sendo negado por suspeitas de irregularidades. É pouco, porém, diante da gravidade dos fatos, denunciada também por médicos e entidades, que exigiria mais firmeza nos controles. Os exemplos vão desde pessoas expostas à dor pelo uso de álcool em ferimentos para compensar a ausência de produto adequado até a aplicação de injeções em crianças pelo pelo fato de não haver medicamento de uso oral disponível. Também os salários dos profissionais da área de saúde, muitos dos quais em greve, estão em atraso, e há falta generalizada de itens indispensáveis ao bom atendimento.
São inadmissíveis as evidências de que o dinheiro público em falta para atenuar o sofrimento de pacientes em busca de ajuda em Canoas poderia estar sendo desviado. Não basta punir e exigir o valor eventualmente destinado a outros fins de volta. É preciso criar mecanismos eficientes para fechar as portas a esse tipo de risco.