No domingo de segundo turno, um restrito séquito acompanhou a contagem de votos na casa de Jair Bolsonaro (PSL), em um condomínio na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Além dos familiares, nove pessoas sentaram-se à sala de estar ao lado do futuro presidente do Brasil. Entre elas, Luciano Zucco e Ruy Irigaray.
Pelo Facebook, os colegas de PSL expressaram a intimidade com Bolsonaro. De camiseta amarela com a frase “Meu partido é o Brasil” – um modelo idêntico ao usado pelo então candidato à Presidência quando uma faca perfurou seu abdômen –, Zucco registrou um vídeo com o recém-eleito. De seu celular, Irigaray publicou um agradecimento do vitorioso:
– Obrigado, Brasil. Obrigado, Rio Grande do Sul, pela confiança!
O convite ao camarote presidencial veio das urnas. Zucco e Irigaray foram os candidatos a deputado estadual mais votados no Rio Grande do Sul e integram o petit comité de Bolsonaro – o primeiro é homem de confiança do vice-presidente eleito, Hamilton Mourão (PRTB); o segundo, amigo de um dos herdeiros do presidente, o deputado federal por São Paulo Eduardo.
Resultado da onda liberal-conservadora que varou a política tradicional na última eleição, Zucco e Irigaray somaram quase 270 mil votos. Foram suficientes para levar de carona ao parlamento gaúcho dois outros nomes – Aparecido Macedo e Vilmar Lourenço, alcançando pouco mais de 17 mil votos cada. O quarteto irá formar a tropa de choque de Bolsonaro na Assembleia Legislativa a partir de 31 de janeiro, quando se inicia a nova legislatura. E o PSL passará a compor a quinta maior bancada da Casa, ao lado de PDT e PSDB.
Novatos no plenário, colocam-se como uma extensão do Palácio do Planalto no Farroupilha ao defenderem propostas de Bolsonaro no Estado. Entre elas, o fim da suposta doutrinação de esquerda nas escolas, o armamento do “cidadão de bem” e a imunidade aos policiais que matam em serviço.
Da simbiose com o presidente eleito, os futuros deputados também refletem o fenômeno dos quartéis inseridos na política. Dois são militares: Zucco, tenente-coronel do Exército, e Macedo, capitão da reserva. Para aqueles que os veem como risco à democracia, recorrem à retórica.
– Engana-se quem acha que estamos vivendo em uma democracia. Quando se sai na rua e metem uma arma na cara, quando os nossos filhos vão para o colégio e ensinam sacanagens, quando um guri chega em um hospital para ser curado e metem bala, quando os direitos humanos defendem vagabundo… Isso é democracia? Os militares que se elegeram em momento algum colocam a democracia em risco – afirma Lourenço.
Dos quatro, Lourenço é quem acumula a maior bagagem política. Candidatou-se a prefeito de Sapucaia do Sul duas vezes – uma delas pelo PT – e a vice uma. Não teve êxito. Os outros nunca haviam sequer disputado um mandato.
– Para dizer que nunca, concorri a presidente do Círculo de Pais e Mestres no Colégio Tiradentes (em Santo Ângelo). Sou presidente – comenta Macedo.
Os deputados gastaram R$ 432.107,84 em despesas eleitorais, valor inferior aos R$ 505.316,24 da terceira mais votada, Any Ortiz (PPS), sozinha. As campanhas deram-se pelo WhatsApp, como não poderia deixar de ser, e coladas ao “ideal bolsonarista”.
– Falei para o capitão que ele não era mais Bolsonaro. Ele se tornou um conceito de mudança. De amor à pátria, do Escola sem Partido, do Brasil sem corrupção – resume Irigaray.
Zero Hora reuniu-se com Zucco, Irigaray, Macedo e Lourenço em duas manhãs, na sede do PSL, em Porto Alegre. Decorado com bandeiras do Brasil, o comitê funciona ao lado da loja de móveis da presidente estadual da legenda, Carmen Flores. À exceção dos deputados eleitos e da dirigente partidária, quem circula por lá invariavelmente veste uma camiseta com o rosto de Bolsonaro.
Os futuros parlamentares têm em comum as bandeiras da moral e do civismo. Já no primeiro ano de legislatura, irão se apresentar como os nomes da segurança pública e devem prospectar assessoria jurídica para policiais envolvidos em mortes durante confrontos.
– Fui, de forma muito triste, visitar um colega no hospital da Brigada, o soldado Jean (baleado em assalto a ônibus no Menino Deus, em junho). Um guri “vibrão”. O sonho dele é voltar a andar. Pergunto a você: alguém dos direitos humanos foi visitar ele? Ninguém. Temos de valorizar aqueles que são os nossos escudos da sociedade – argumenta Zucco.
Com 27 anos de Exército, o tenente-coronel é o nome mais ligado à área. No início do ano, ouviu do major Victor Hugo, eleito deputado federal pelo PSL de Goiás, a sugestão de concorrer. Cauteloso, acabou convencido por Mourão.
No ano passado, Zucco foi nomeado, pelo comandante Militar do Sul à época, general Edson Leal Pujol, interlocutor do Exército na megaoperação Pulso Firme – ação que transferiu 27 líderes de quadrilhas gaúchas para penitenciárias federais de outros Estados.
– Ele deixou uma impressão de grande proatividade e compreensão da relevância da união – comenta o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer.
Nos corredores das corporações, há quem aposte em Zucco como futuro secretário da Segurança Pública. Ele desconhece o boato, e o governador eleito Eduardo Leite (PSDB) não comenta sobre eventuais nomes de seu secretariado.
Empresário ligado ao agronegócio, Irigaray aproximou-se da política ao lançar o movimento Armas S.A., em 2014, e defender o “direito do cidadão à defesa”. Pelas redes sociais, conheceu Eduardo Bolsonaro e se aproximou do clã devido ao apreço pelo gatilho. Frequentador de clubes de tiros e feiras da indústria armamentista, prospecta investimentos no Estado se aprovado o fim do Estatuto do Desarmamento:
– Tenho certeza de que o Rio Grande do Sul vai voltar a ser protagonista na indústria armamentista em nível mundial.
A bancada do PSL estará lutando para atrair esses novos negócios. As armas estão na nossa cultura, e essas indústrias já têm nos procurado. Eduardo Leite declarou apoio “crítico” a Bolsonaro no segundo turno. Em um vídeo publicado no Facebook, cobrou autocrítica do capitão da reserva sobre “frases e pensamentos que desrespeitam a democracia e a existência pacífica e natural de outros seres humanos”. A bancada do PSL diz que adotará, no Legislativo, posicionamento semelhante em relação ao futuro chefe do Palácio Piratini .
– Oposição construtiva – diz Lourenço.
– Situação com restrição – corrige Zucco.
– Vamos apoiar, mas com as ressalvas. Não seremos parlamentares de oposição nem de situação – contemporiza Irigaray.
Nos deputados do PSL, Leite deverá encontrar respaldo para privatizar as estatais deficitárias e manter as estratégicas, como o Banrisul. Porém, poderá enfrentar crise com o magistério por causa da defesa do Escola Sem Partido pelos parlamentares.
– Essa é a nossa grande bandeira.
Reformular o currículo escolar é urgente. Se possível, já em março. Defendo nas escolas o rigor dos ensinamentos militares, inclusive aproveitando militares aposentados como voluntários. Eles estão dispostos a isso – adianta Lourenço.
Para Zucco, os estudantes têm de retomar rituais em desuso, mas consagrados durante a ditadura militar – para ele, a “revolução democrática”: receber o professor de pé e cantar os hinos nacional e rio-grandense.
– Somos Rio Grande do Sul acima de tudo – diz o tenente-coronel, adaptando o bordão nacionalista de Bolsonaro.