O presidente do Congresso e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), disse ao jornal O Estado de S. Paulo que não está preocupado se o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) "vai gostar ou não" do resultado de votações na Casa antes de assumir o Palácio do Planalto.
O senador não conseguiu se reeleger e ficará sem mandato no próximo ano. Antes, porém, ele será o responsável por dar posse a Bolsonaro, em janeiro. Eunício afirma estar aberto a dialogar, mas que não aceitará interferência no Legislativo e criticou o economista Paulo Guedes, um dos futuros superministros de Bolsonaro, que defendeu uma "prensa" nos parlamentares para que votassem a reforma da Previdência.
Veja a seguir os principais pontos da entrevista:
Alguém da equipe econômica de Bolsonaro ou o ministro Onyx Lorenzoni procurou o senhor, já que eles estão preocupados com os projetos aprovados?
Não. Você acha que Onyx vai me procurar? Não vai. Tive o cuidado de dizer que nós estamos reduzindo os incentivos em torno de 40%, se não amanhã (dizem que é) pauta bomba. "Ah, o Bolsonaro diz que não gostou". Não estou preocupado se Bolsonaro vai gostar ou não vai gostar. Qual o motivo de eu, como presidente de um Poder (Legislativo), procurar o presidente eleito de outro Poder (Executivo) para perguntar o que ele quer? Parece um oferecimento, de disposição para se credenciar para alguma coisa. Zero.
O senhor não quer?
Não farei isso. Comuniquei ao Paulo Guedes que eu estava prorrogando o orçamento duas vezes. Ele disse: 'Ou você vota a reforma da Previdência ou o PT volta'. Primeiro que eu não estou preocupado com volta ou não do PT. Quem deve saber o que quer para a frente, quem assumiu a responsabilidade de governar o Brasil, infelizmente, não fui eu. É fácil levantar todos os projetos que estão na Câmara e no Senado que podem ser pautados. Até o último dia em que eu for presidente, ninguém vai interferir nesse Poder, a não ser por entendimento, por conversa e harmonia.
Há uma insatisfação do Congresso com o governo eleito?
Não me sinto absolutamente nada incomodado. Só não aceito que digam que eu estou fazendo pauta-bomba, que o Congresso tem que "levar prensa". Aqui tem a liberdade de cada um botar o dedinho e votar sim, não ou abstenção.
Ninguém então conversou com o senhor, nem o Major Olímpio (deputado e senador eleito pelo PSL-SP)?
O Major Olímpio, por incrível que pareça, porque dizem que é uma pessoa muito efervescente, foi extremamente educado. Foi ao meu gabinete pedir para que eu cedesse o gabinete para ele, ele não tinha nenhum tipo de exigência, que ele quer um apartamento funcional que ele tem direito, se tiver apartamento, muito educado. E me disse: 'Olha, eu estou com vergonha de que alguém não tenha procurado o presidente do Congresso sobre pautas aqui'. Não votei no Bolsonaro, mas eu vou dizer o que disse Obama. Minha admiração não é pelo Trump, é pelo Obama. A população do meu Brasil democraticamente disse que o presidente é ele, então a partir do dia que ele ganhou, ele é meu presidente, é o presidente do meu país e não sou eu que vou botar uma perna esticada para ele tropeçar, pelo contrário.
Agora, a Constituição determina muitas coisas que talvez muita gente que está nesse processo, que não passou por aqui, não passou numa Câmara de Vereadores, numa Assembleia Legislativa, numa Câmara Federal, talvez não tenha passado num governo, para entender o trâmite. "Ah, o Eunício não quer votar a PEC da Previdência". Eu posso até não querer, mas não é isso. Os constituintes foram sábios de se autoproteger, não a eles que estavam vindo de um regime de força da ditadura, eles autoprotegeram a Constituição brasileira e botaram nessa Constituição que ninguém pode chegar e dizer: 'Olha, acordo de líderes aqui, eu tenho maioria, muda a Constituição todinha que agora eu prendo e arrebento'. Eles fizeram um ritual para mudanças na Constituição brasileira.
Essa falta de conhecimento prejudica?
Não estou preocupado se Bolsonaro vai gostar ou não vai gostar. Qual o motivo de eu, como presidente de um Poder (Legislativo), procurar o presidente eleito de outro Poder (Executivo) para perguntar o que ele quer?
EUNÍCIO OLIVEIRA
Presidente do Senado
Não posso dizer que essas pessoas não têm conhecimento. Estou dizendo é que, assim como eu dei o direito a dúvida em relação à declaração do Paulo Guedes... Eu pensei: ou a imprensa interpretou mal as suas palavras ou ele não conhece nada disso aqui. Dizer que vai dar uma prensa, que tem que votar se não o PT volta, isso não é argumento para mim. Eu não sou petista, não sou antipetista, não sou racista, não sou homofóbico. Isso em nada me incomoda. Você não argumenta para mim dizendo: se não quebrar o interstício, se não der uma reforma da Previdência, se não fizer isso... Meu irmão, nós até temos legitimidade para fazer a reforma, mas quem tem a obrigação, nesse momento, com a maioria da população brasileira que foi para a urna e depositou ali a confiança e a esperança? Não foi em mim. Eu vou ajudar no que eu puder o meu País. Eu não vou sair daqui, eu quero ficar aqui. E eu quero que esse País dê certo, quero que esse governo dele dê certo. No que eu puder, dentro das minhas limitações, colaborar, sem ferir o regimento, sem ferir a Constituição, estou pronto para isso. Já prorroguei duas vezes o prazo de emenda do Orçamento. Talvez as pessoas não saibam que o Congresso Nacional não sairá de recesso enquanto não for votado o orçamento. 'Ah, mas antigamente saía em recesso branco'. Eu não dou recesso branco. Quero votar o Orçamento novamente no segundo ano que estou presidente. É o meu dever.
Sobre a Rota 2030 ele mandou algum recado?
Nada.
Mas o Paulo Guedes falou contra incentivos.
Dizer lá fora que não quer... Tem que primeiro se eleger para sentar aqui (bate na poltrona de senador) e votar contra, fazer um discurso. Discurso de fora, esse tipo de recado não chega nos ouvidos da gente. Não interessa. Quer negociar, quer discutir, eu como presidente do Congresso estou aberto. A discutir qualquer MP, qualquer projeto. Não estou dizendo que vou atender, mas estou aberto a discutir. Vontades são unilaterais ou bilaterais, dependendo do entendimento.
O sentimento do senhor é o da maioria do Senado em relação à pauta que o governo eleito deseja?
Eu sou, por delegação do Senado, o chefe desse Poder. Não é nenhuma vaidade, mas a responsabilidade é do chefe do Poder. Tenho por hábito dividir, trocar palavras, dividir angústias, dividir responsabilidades. Mudanças na Constituição não poderão tramitar enquanto tiver uma intervenção no Rio de Janeiro. Aprovar uma intervenção cabe a mim, ao Congresso. Levantar essa intervenção antes do prazo aprovado cabe ao presidente da República e ao governador do Estado sob intervenção, não a mim. Se levantarem, eu suspendo o meu ato que proíbe a tramitação de PECs e todas elas poderão tramitar aqui e na Câmara.
Como vai ser a relação do MDB com o governo Bolsonaro?
Essa reinvenção, essa história bonita de mudar de nome... Eu sou do MDB, do Modebra. Sou de uma família do MDB. Eu não troco de camisa no meio do caminho. Por que está suada eu vou trocar? Se depender de mim, o PMDB, porque eu não vou sair dele e vou defender essa posição, é um partido independente votando aquilo que for bom para o Brasil e para a sociedade brasileira, aplaudido por ela. Não precisa participar do governo para ajudar o Brasil.