Da Inglaterra, onde participa de um curso na Universidade de Oxford, o governador eleito Eduardo Leite (PSDB) conversou com GaúchaZH nesta quarta-feira (28) sobre a polêmica envolvendo o Banrisul e os obstáculos à adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal — segundo a secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, a não privatização do banco significa "impedimento total" à conclusão das negociações. Ao ser questionado, por telefone, se havia sido informado dos entraves pelo atual chefe do Executivo, José Ivo Sartori (MDB), Leite afirmou que "pouco importa isso agora".
— Se informou ou se não informou é menos importante. Mas não está assinando, não tem assinatura prevista — declarou, ponderando que não responderia se foi "enganado ou não", já que a assinatura do pré-acordo vinha sendo dada como certa por Sartori até agora e era sua principal proposta de campanha.
— Quem tem de responder pelas declarações que fez ao povo gaúcho é o governador — concluiu Leite.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista:
O governador José Ivo Sartori e o vice José Paulo Cairoli afirmam que o pré-acordo com a União está pronto para ser assinado, mas, pelo que diz a secretária Ana Paula Vescovi, a ausência do Banrisul da lista de estatais a serem privatizadas impede a conclusão das negociações. O senhor estava a par disso?
Não, o que eu li na imprensa da declaração da Ana Paula é o que a STN me disse. Tem um ditado em inglês que diz: as primeiras coisas primeiro, ou seja, first things first. A primeira questão a ser resolvida é a do relatório sobre o gasto com pessoal. Aquela questão dos 56% ou 70%, se entra o custo do desconto do imposto de renda ou não. Aquele é que é o condicionante, que é o obstáculo para entrar no regime de recuperação. Aquilo tem de ser resolvido. Depois, tem a discussão sobre o plano e o que vai incluir. Se vai ter privatizações, quais são os ajustes em política de pessoal que permitam o ajuste fiscal. O que impede a assinatura do acordo é não nos enquadrarmos no critério estabelecido do gasto com pessoal.
Mas Ana Paula acompanha as negociações com o Estado desde o início, conhece a posição do futuro governo sobre privatizações e foi bastante enfática na entrevista concedida à Rádio Gaúcha. Disse que a não privatização do Banrisul é "impedimento total" para o acordo. Ela está errada?
O governo atual colocou isso (a não privatização do Banrisul) como uma condição, então o que tem agora é essa declaração dela. Mas o que a lei estabelece como pré-requisito é o cumprimento daquele mínimo do gasto com pessoal para poder se enquadrar. Tudo o que vai para além disso é negociação do plano de recuperação. É negociação. Não é condição. E como negociação, tem duas partes estabelecidas hoje e duas que vão se estabelecer a partir de janeiro. Vamos insistir num plano que não envolva a privatização do Banrisul.
O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, é um árduo defensor das privatizações e já disse que os Estados terão de fazer a sua parte, privatizando estatais, para receber apoio da União a partir de janeiro. É muito provável que a pressão pela venda do Banrisul aumente. O que o senhor vai fazer, já que se comprometeu, na campanha, a não vender o banco? Pode rever a posição?
O presidente Jair Bolsonaro disse certa vez que reforma da Previdência boa é a que passa no Congresso. O melhor plano de ajuste fiscal é aquele que passa nas urnas e na Assembleia e, por isso, o banco do Estado não está nessa condição. Como a própria Ana Paula disse, há outras medidas que precisam ser feitas estruturalmente e que são prioritárias. Uma delas é o ajuste na folha de pagamento do Estado. A privatização do banco não resolve isso. Não adianta vender o banco se não resolver o que estruturalmente está pesando no desequilíbrio fiscal.
É mais importante manter o Banrisul sob o controle do Estado ou aderir ao regime de recuperação fiscal?
Eu tenho convicção de que é possível nós aderirmos ao regime sem vender o banco.
Não vou fazer declaração se fui enganado ou não. Quem tem de responder pelas declarações que fez ao povo gaúcho é o governador.
A liminar do STF que autoriza o Estado a não pagar as parcelas da dívida pode cair se a negociação se arrastar ainda mais ou ficar inviabilizada, e o senhor vai assumir o governo com uma série de contas em atraso e com uma situação financeira pior do que a enfrentada por Sartori. O senhor teme que isso aconteça, diante desse atraso?
Não, vamos trabalhar para que se sustente a liminar e que possamos estabelecer o mais rapidamente possível a condição para aderir ao regime. Como disse, o que está obstaculizando neste momento é a questão dos gastos com pessoal. As primeiras coisas primeiro. Vamos fazer isso e negociar um plano que seja viável, que se justifique para a União e que seja possível de ser cumprido também. Temos confiança de que vamos fazer isso, sem que caia a liminar, dentro do tempo necessário.
Os entraves ao acordo foram informados ao senhor na reunião que teve com Sartori, no dia 9 de novembro, para tratar desse tema? Ele deixou o senhor a par ou o senhor foi surpreendido agora?
Não, na verdade o que foi repassado foi que o governador mantinha as conversas e depois me trouxe a leitura daquela, do acordo prévio. O que me foi passado foi passado publicamente. As informações que me repassou o governo são as informações que publicamente ele tem falado.
Então ele não lhe disse que havia esses entraves? Porque Sartori vinha dizendo que o pré-acordo poderia ser assinado a qualquer momento, mas agora a secretária disse que não, que ainda há esses entraves relacionados ao gasto com pessoal.
Bom, o que temos é o seguinte: é o que está estabelecido na lei. A lei estabelece as condições. O pré-acordo é assinado mediante o cumprimento dos pré-requisitos. Dentro desses pré-requisitos está aquela questão do comprometimento da folha. Não cumprido esse pré-requisito, não consegue assinar. Então, não tem como dizer que consegue assinar.
Mas Sartori revelou isso para o senhor? O senhor sabia?
Pouco importa isso agora. Se informou ou se não informou é menos importante. Mas não está assinando, não tem assinatura prevista.
Sartori passou a campanha inteira dizendo que o plano era aderir ao regime e que o documento estava pronto para ser assinado. Depois, ele disse que bastava o senhor dar o aval para que ele assinasse o pré-acordo. O senhor foi enganado?
Pois é. Não vou fazer declaração se fui enganado ou não. Quem tem de responder pelas declarações que fez ao povo gaúcho é o governador.