Enquanto o governo gaúcho ainda sofre para aderir ao plano de recuperação fiscal proposto pela União, o Rio de Janeiro completou o primeiro ano sob o regime especial. A pressão momentânea sobre as finanças fluminenses diminuiu, mas sobram dúvidas sobre o sucesso da iniciativa ao longo dos próximos cinco anos, quando deve encerrar o prazo em que o Estado deixa de pagar a dívida com o governo federal. O alívio é de três anos, mas deve ser prorrogado por mais três.
Para o Palácio das Laranjeiras, o primeiro aniversário da adesão trouxe motivos para comemorar. O déficit previsto para 2018, de R$ 10 bilhões, caiu para quase a metade, R$ 5,3 bilhões. Com isso, o Rio consegue desde janeiro pagar "em dia" o salário do funcionalismo.
A pontualidade nos vencimentos tem de ser relativizada porque, originalmente, a quitação ocorria no segundo dia útil e, desde o início de 2016, a data passou a ser o décimo dia.
O secretário estadual da Fazenda, Luiz Claudio Gomes, avalia que o plano de recuperação fiscal trouxe para o Rio a previsão de fluxo de caixa, o que permitiu a manutenção dos serviços básicos à população e o fim dos atrasos de salários, que vigoravam desde 2016. Sem a adesão ao acordo, sustenta o governo do Rio, o déficit deste ano seria de R$ 18 bilhões.
Segundo dados da pasta, a folha de pessoal e encargos sociais, que era calculada em R$ 64,9 bilhões para o intervalo entre janeiro do ano passado e julho de 2018, foi reduzida em R$ 1 bilhão. As demais despesas correntes, no mesmo período, foram diminuídas em R$ 1,9 bilhão, para
R$ 59,99 bilhões. No caso das receitas, a arrecadação tributária ficou 2% acima, chegando a R$ 78 bilhões, enquanto a de royalties alcançou R$ 13,1 bilhões, um quarto além do projetado.
Aí começa o problema, diz o pesquisador da área de gestão pública do Insper, André Luiz Marques, autor de estudo sobre os resultados dos primeiros meses do acordo no Rio.
– Da redução da projeção de déficit, R$ 1,5 bilhão veio do aumento da arrecadação de impostos, por uma pequena melhora da atividade econômica, e R$ 2,6 bilhões dos royalties, do aumento dos preços do petróleo e do dólar. Então, cerca de 80% desta melhora não ocorreu em razão das medidas do acordo. A situação do Rio melhorou, mas isso pode causar falsa impressão porque faltam muitas das medidas estruturais – pondera Marques.
Dívida não é eliminada, alertam especialistas
Para o especialista, a adesão foi fundamental para dar folga ao caixa do Estado, mas a efetividade da recuperação financeira depende da implementação de todas as medidas o mais rápido possível. Mesmo reconhecendo que o ritmo melhorou nos últimos meses, ações como antecipação da renovação da concessão da CEG (companhia de gás), reestruturação administrativa e auditoria previdenciária ainda não foram totalmente implementadas.
Há também pressão de outros poderes. A Assembleia aprovou aumento de 5% para servidores de Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou o reajuste. Na semana passada, os deputados também aprovaram emenda que proíbe a privatização da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae). O governador Fernando Pezão vetou o texto na sexta-
feira, alegando que inviabilizaria o plano de recuperação firmado com a União. Os parlamentares têm agora 15 dias para apreciar o veto.
Crítico do acordo, o professor de economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Bruno Sobral lembra que a adesão não eliminou a dívida.
– O acordo garante carência de três anos e depois mais três anos. Nesse período, o Rio não paga a dívida, mas ela não some e segue gerando juros. Há falsa impressão de calmaria, mas está se empurrando o problema para frente – sustenta.
Sobral entende ainda que o acordo retirou a autonomia do governo de administrar o Estado, que passa a ser monitorado por um conselho de supervisão. Mesmo assim, admite que, agora, há pouco espaço de manobra.
– O acordo está bem amarrado. Se houver descumprimento, o que acontece? Arrestos e bloqueios de contas – lembra o economista.
Entre as obrigações do Rio está a privatização da Cedae, processo que está em fase de modelagem. O valor estimado da operação é de R$ 3,5 bilhões, mas, por meio de operação bancária, o Estado conseguiu adiantar R$ 2,9 bilhões.
A situação do Rio
– Dívida consolidada líquida: R$ 135 bilhões ao final do ano passado, 27,6% acima de 2016
– Déficit estimado de R$ 10 bilhões em 2018 foi recalculado para R$ 5,3 bilhões.
– Se todas as medidas previstas forem implementadas, o impacto será de R$ 95 bilhões de 2017 a 2023.
Algumas medidas a serem adotadas pelo Estado
– Privatização da Cedae
– Redução das isenções fiscais
– Rigor nos gastos
Mudanças estruturais já implementadas
– Aumento das alíquotas previdenciárias
– Revisão de incentivos fiscais
– Aumento de alíquota de ICMS
– Reforma das pensões
Contrapartidas da União
– Redução extraordinária integral das prestações relativas aos contratos de dívidas administrados pela Secretaria do Tesouro Nacional por até 36 meses. Os juros, porém, seguem aumentando o montante da dívida.
– Na hipótese de prorrogação do regime de recuperação fiscal, os pagamentos das prestações serão retomados de forma progressiva e linear.
– Suspensão de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como adoção de medidas quando do não atingimento do limite das despesas com pessoal e obrigatoriedade de estar dentro do limite de dívidas para receber transferências voluntárias.