As decisões desta terça-feira (26) da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) mostram o aprofundamento das divisões na Corte e o crescente mal-estar entre os ministros, avaliam professores de Direito. Segundo eles, esse desconforto gerado pelos embates na Corte pode ter reflexo após a mudança de comando do Supremo. Em setembro, a ministra Cármen Lúcia deixa a presidência para Dias Toffoli assumir.
— É inegável que existe um acirramento. Entendo que essas decisões traduzem um mal-estar, não da divergência conceitual, que é natural, mas de encaminhamentos que possivelmente causem algum ruído entre os ministros — diz o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques.
Um desses encaminhamentos, segundo o professor, seria a decisão do ministro Edson Fachin na semana passada de tirar da pauta o pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado na Lava-Jato.
— Talvez tenha sido uma reação legítima do desconforto de alguns ministros com a decisão que lhes tirou a autonomia para decidir. O grande conflito hoje está na variação de regras. E isso só vai aumentando nessa sensação de que o Supremo é uma corte em pé de guerra — declarou Marques.
Para o diretor da instituição, o embate só poderia ser resolvido com uma liderança do presidente da Corte, a quem caberia pacificar os procedimentos para reduzir a insegurança jurídica.
— Talvez o Toffoli assumindo a presidência, tenha um pouco mais diálogo — arrisca.
As apostas sobre a gestão do próximo presidente da Corte começam altas. Para o professor do Instituto de Direito Público (IDP), Daniel Falcão, quando assumir, é possível que Toffoli paute temas diferentes de Cármen Lúcia. Falcão acredita que a sessão de desta terça "reacendeu" o debate sobre prisão após segunda instância.
— Não vai haver consenso, resta saber se haverá mudança de posição. Toffoli, que votou contra a prisão após segunda instância e a favor da soltura de Dirceu, assumirá a Corte em setembro e pode pautar o mérito — afirma.
Na avaliação de Eduardo Martines Jr., professor da PUC-SP, embates e diferentes decisões deixam o Supremo mais exposto aos olhos da sociedade.
— Acaba passando a mensagem que protegem mais um ou outro — comenta.
As divergências, defende, são "do jogo". O problema é quando há discordâncias entre entendimentos já pacificados na Corte. A prisão após segunda instância, que passou pelo plenário do Supremo, teve um entendimento diferente na Segunda Turma.
— Você vai ver isso no Tribunal de Justiça, em todo lugar, o problema é que se espera uma maior perenidade das decisões do Supremo, que é o que melhor representa o Judiciário, é a Suprema Corte — disse.
É justamente essa falta de perenidade que traz desgaste à imagem dos ministros, segundo o professor da FGV Gustavo Badaró.
— O Supremo tem sido o responsável por se colocar na berlinda. Ele próprio vacila em suas decisões — afirma.
Badaró avalia ainda que a ida da atual presidente, Cármen Lúcia, para o lugar de Toffoli na Segunda Turma poderia inverter o placar no colegiado e "tornar a vida dos investigados mais difícil".
A decisão do relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, de remeter ao plenário da Corte, e não à Segunda Turma, o recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para suspender os efeitos da sua condenação — como a prisão e a inelegibilidade — foi vista por integrantes do colegiado como uma forma de o ministro evitar nova derrota.
No Supremo e entre auxiliares de Lula, o consenso é de que as chances de vitória do petista no plenário são menores do que se o recurso fosse analisado pelos cinco ministros da Segunda Turma. O trio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, alinhado nas críticas à Lava Jato, tem formado maioria e imposto sucessivos reveses a Fachin, como na decisão desta terça de mandar soltar o ex-ministro José Dirceu (PT).
Segundo advogados, os casos de Dirceu e de Lula guardam semelhanças e apontam que o ex-presidente poderia ter tido um destino similar à do ex-chefe da Casa Civil. As duas defesas veem exagero nas penas impostas, questionavam a dosimetria e criticavam execução automática da pena após condenação em segunda instância. Lula teve a pena aumentada pelo TRF-4 para 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A defesa fala em "pena colossal".
O entorno do ex-presidente considerava possível a concessão de um habeas corpus de ofício para o ex-presidente antes de Fachin remeter o recurso para o plenário, que só deverá ser julgado pelo plenário da Corte em agosto, após o recesso dos ministros.