O Ministério Público Federal apresentou, nesta segunda-feira (25), denúncia contra o empresário Joesley Batista, o advogado Francisco de Assis, a advogada Esther Flesch e o ex-procurador Marcelo Miller por corrupção. A denúncia do MPF aparece uma semana depois do indiciamento dessas pessoas no inquérito que investigou o envolvimento de Miller na elaboração dos acordos de colaboração premiada de executivos e ex-executivos do Grupo J&F enquanto ainda era membro do Ministério Público Federal.
De acordo com o Ministério Público Federal, a denúncia afirma que Joesley e Francisco ofereceram vantagens indevidas a Miller quando ele era procurador do Ministério Público e membro do grupo de trabalho da Lava-Jato. Essas vantagens ajudariam Joesley e Francisco, que delataram no caso da JBS, a conseguir um bom acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e obter imunidade para se livrar dos crimes cometidos.
A denúncia também afirma que uma fatura de R$ 700 mil, emitida por um escritório de advocacia que tinha a JBS como cliente, seria a prova de que Miller recebeu pelo trabalho para os delatores enquanto estava no MP.
Ainda de acordo com a denúncia, na gestão do ex-procurador da República Rodrigo Janot, Marcelo Miller atuou em favor da J&F durante o processo de assinatura do acordo de delação. Segundo a acusação, documentos trocados entre Miller e integrantes do escritório de advocacia que o contratou comprovariam o "jogo duplo" no caso.
“Era a pessoa certa para, valendo-se do cargo, orientar juridicamente a interlocução entre corruptores e seus colegas de PGR e minutar documentos, inclusive porque tinha livre acesso aos membros integrantes do citado GT-Lava Jato e poderia interferir, pela sua experiência no assunto e pela respeitabilidade até então existente entre seus pares, nas decisões adotadas em relação a acordos de colaboração”, afirma nota do MPF.
A defesa do ex-procurador sustentou no processo que ele "nunca atuou como intermediário entre o grupo J&F ou qualquer empresa e o procurador-geral da República Rodrigo Janot ou qualquer outro membro do Ministério Público Federal".
A investigação foi aberta em setembro de 2017 por determinação do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após a descoberta de um áudio de uma conversa de Joesley Batista dando indicativo de que Miller teria atuado para os executivos do grupo empresarial antes mesmo de se exonerar do MPF. O áudio foi entregue às autoridades pelos próprios delatores, quando fizeram uma complementação dos termos de colaboração.
Um dos pontos que foram analisados pela PF quando do indiciamento, no dia 18 de junho, dizia respeito às menções a ministros da Corte no áudio de Joesley. Quanto a esse ponto, o relatório da PF aponta que nada foi encontrado que pudesse apontar algum envolvimento de ministros. A conclusão foi encaminhada à presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, que havia pedido a apuração do caso após o então procurador-geral, Rodrigo Janot, revelar as citações ainda em setembro de 2017.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) já apontou indícios de crimes envolvendo Miller e as delações da J&F, em diversas manifestações sobre a rescisão de acordos firmados por integrantes do MPF. Na última, em maio, a procuradora-geral, Raquel Dodge, destacou omissão e má-fé ao afirmar que os delatores não comunicaram participação de Marcelo Miller na negociação dos acordos enquanto ainda era procurador da República.
A decisão final sobre a rescisão dos acordos dos delatores da J&F cabe ao ministro Edson Fachin, relator que homologou os acordos em maio de 2017. A rescisão quanto a Joesley e Saud foi informada pela PGR ao Supremo ainda no ano passado. Em relação a Wesley Batista e Francisco de Assis e Silva, Dodge informou a Fachin a rescisão em fevereiro. Segundo a Procuradoria-Geral da República, mesmo com o rompimento do acordo, as provas obtidas a partir da delação continuarão válidas.
Benefício anulado
No ano passado, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anulou a imunidade penal que foi concedida por ele a Joesley e Ricardo Saud, ex-executivo da JBS. O benefício, que é a renúncia por parte da procuradoria a processar os acusados, foi anulado porque Janot concluiu que Batista e Saud omitiram da PGR informações durante o processo de assinatura do acordo de delação premiada.
Um dos principais motivos para a revogação é o conteúdo de um dos áudios entregues por Joesley no acordo. O arquivo mostra uma conversa informal entre o empresário e Saud. O diálogo entre os executivos sugere que Marcelo Miller, ex-auxiliar de Janot, atuou em favor da empresa enquanto ainda estava no Ministério Público Federal (MPF). Joesley e Wesley Batista e Saud chegaram a ser presos. Hoje, eles respondem em liberdade, cumprindo medidas cautelares.
Contrapontos
Em nota divulgada na tarde desta segunda-feira (25), Joesley Batista nega que tenha "contratado, pago, oferecido ou autorizado" que fosse oferecida qualquer vantagem indevida a Marcello Miller. Confira a nota na íntegra:
"A defesa de Joesley Batista reafirma que o empresário jamais contratou, pagou, ofereceu ou autorizou que fosse oferecida qualquer vantagem indevida ao senhor Marcello Miller, outrora sócio do escritório TRW.
A denúncia ignora o fato de que o colaborador ou a empresa jamais solicitaram a emissão de uma fatura do TRW, tampouco tinham qualquer ingerência sobre os procedimentos internos do escritório de advocacia. Também não menciona que a J&F sequer pagou os valores ao escritório TRW, que está sendo processado pela má-prática profissional nesse episódio.
Além disso, a denúncia despreza todos os depoimentos e documentos aportados ao inquérito pela própria defesa, utilizando-se de majoritariamente de um procedimento administrativo conduzido de forma açodada pela PGR em setembro do ano passado.
Agora, sob o contraditório e ampla defesa, será demonstrado que a acusação não só é descabida, como também descolada de qualquer elemento probatório. "
O que diz a defesa de Francisco de Assis:
"A defesa do advogado Francisco de Assis reafirma que a J&F contratou o escritório Trench, Rossi e Watanabe - banca até então referência em integridade - para assessorá-la no acordo de leniência.
Francisco de Assis não tinha motivos, portanto, para suspeitar de qualquer irregularidade na atuação de Marcelo Miller, sócio do escritório na área de ética e compliance.
A defesa de Francisco de Assis reitera ainda que ele colaborou efetivamente com a investigação, deixando claro que jamais discutiu honorários ou pagamentos com ou para Marcelo Miller, tampouco procurou obter qualquer vantagem ou benefício indevido no Ministério Público Federal por meio de Marcello Miller ou por qualquer outra pessoa, exatamente como consta do relatório da Polícia Federal."
Correção: o "benefício da delação foi anulado", e não "o acordo da delação foi quebrado", como publicado entre 15h02min e 17h34min de 25 de junho. O texto já foi corrigido.