Alvo de controvérsias desde que foi firmado, o acordo de delação premiada dos proprietários e executivos do grupo J&F, que mantém o controle da JBS, será revisado. O anúncio foi feito na noite desta segunda-feira (4), pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Segundo ele, há indícios de que os colaboradores omitiram crimes que envolveriam integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Supremo Tribunal Federal. Se comprovadas as irregularidades, o acordo poderá ser rescindido, mas isso não anula, segundo Janot, as provas já obtidas na investigação.
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A suspeita surgiu na gravação de uma conversa de quatro horas, entre Joesley Batista, um dos donos da holding J&F, e Ricardo Saud, ex-diretor de relações institucionais do grupo. Segundo Janot, o áudio faz parte do conjunto de materiais entregues pela defesa dos delatores à PGR na quinta-feira, às 19h, para complementar as revelações feitas.
O repasse do material em até 120 dias era uma das exigências para homologação do acordo, com o objetivo de confirmar as denúncias. Os advogados da JBS pediram prorrogação do prazo por mais 60 dias, o que foi concedido pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF. Mas a decisão só saiu na quinta-feira e a defesa não tomou conhecimento a tempo. Para não descumprir o acordo, entregou o material bruto.
A gravação citada por Janot é o terceiro áudio de um conjunto de quatro gravações repassadas em anexo referente ao senador Ciro Nogueira (PP-PI). Essa conversa, segundo o procurador-geral, não tinha qualquer relação com o político, e trazia indícios "muito graves" de crimes, com potencial para anular o acordo.
Ouça a íntegra da coletiva do procurador-geral da República:
Janot reiterou, no entanto, que a cassação da delação implicaria exclusivamente na retirada de benefícios dos executivos, mantendo a validade das provas já obtidas.
– A provável rescisão de um acordo de colaboração premiada, se ocasionada pelo colaborador, não invalida nenhuma prova. Todas as provas continuam hígidas, válidas – explicou o procurador.
A revisão envolve três dos sete colaboradores: Joesley, Saud e Francisco de Assis e Silva, outro executivo da empresa. O diálogo entre o dono do grupo e Saud teria ocorrido no dia 17 de março e sido registrado acidentalmente, por equívoco na manipulação do equipamento de gravação, sem que os dois tivessem conhecimento. Na conversa, eles falariam sobre a suposta atuação do ex-procurador Marcello Miller, que era assistente de Janot e, após deixar a PGR, passou a atuar em escritório de advocacia contratado pela JBS. Segundo Janot, o áudio – gravado quando Miller ainda atuava na PGR – permite entender que o então procurador estaria auxiliando na confecção de propostas de colaboração para serem fechadas com a Procuradoria, o que configuraria, em tese, crime e ato de improbidade administrativa
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Em um dos trechos da conversa, Saud diz que já estaria "ajeitando" a situação do grupo J&F com o então procurador, e que Miller estaria "afinado" com eles. As conversas também citam irregularidades envolvendo um ou mais integrantes do STF, mas Janot não quis revelar nomes e detalhes sobre as suspeitas. O ministro do STF Marco Aurélio Mello afirmou que, ao não esclarecer quem são os citados, o procurador lança suspeita sobre os 11 integrantes da Corte:
– Que se dê nome aos bois. Em nome da transparência, o procurador Janot deveria ter falado quais foram os ministros e procuradores citados no áudio. As pessoas vão achar que todos os ministros e todos os procuradores estão envolvidos em atos ilícitos.
A delação da JBS foi firmada em maio. Os donos da empresa conquistaram imunidade, com direito, inclusive, de deixar o país.
Na entrevista coletiva de ontem, Janot ressaltou considerar os benefícios concedidos aos delatores "perfeitamente adequados" quando do fechamento do acordo.
O procurador defendeu que a revisão não pode afetar a confiança no instituto da delação premiada:
– É indicativo de que os controles funcionam, que não se pode ludibriar o Ministério Público. É uma prova de que o instituto existe de forma forte. Ninguém prevalece acima da lei.