O ex-procurador da República Marcelo Miller, o empresário Joesley Batista, sócio do Grupo J&F, e mais três foram indiciados pela Polícia Federal no inquérito que investigou o envolvimento de Miller na elaboração dos acordos de colaboração premiada de executivos e ex-executivos do Grupo J&F enquanto ainda era membro do Ministério Público Federal.
O delegado da Polícia Federal Cleyber Malta Lopes atribuiu a Marcelo Miller o crime de corrupção passiva e apontou a prática de corrupção ativa por parte de Joesley Batista, do ex-diretor jurídico do grupo J&F Francisco de Assis e Silva e das advogadas Esther Flesch e Fernanda Tórtima, que trabalharam para a empresa.
A omissão de envolvimento de Miller durante a negociação da delação premiada para ajudar os executivos foi um dos principais pontos apontados pela PF. Os também delatores do grupo J&F Wesley Batista e Ricardo Saud, embora tenham sido investigados, não foram indiciados.
A manifestação da PF ainda está sob sigilo e será analisada pelo Ministério Público Federal, que decidirá se apresenta denúncia ou não. Apesar de se tratar de um outro processo, o posicionamento da PF é um golpe na pretensão da defesa dos ex-executivos que buscam manter no Supremo Tribunal Federal a validade dos acordos de colaboração firmados com o MPF, cuja rescisão depende do ministro-relator, Edson Fachin.
A investigação foi aberta em setembro de 2017 por determinação do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após a descoberta de um áudio de uma conversa de Joesley Batista dando indicativo de que Miller teria atuado para os executivos do grupo empresarial antes mesmo de se exonerar do MPF. O áudio foi entregue às autoridades pelos próprios delatores, quando fizeram uma complementação dos termos de colaboração.
Um dos pontos que foram analisados pela PF dizia respeito às menções a ministros da Corte no áudio de Joesley. Quanto a esse ponto, o relatório da PF aponta que nada foi encontrado que pudesse apontar algum envolvimento de ministros. A conclusão foi encaminhada à presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, que havia pedido a apuração do caso após o então procurador-geral, Rodrigo Janot, revelar as citações ainda em setembro de 2017.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) já apontou indícios de crimes envolvendo Miller e as delações da J&F, em diversas manifestações sobre a rescisão de acordos firmados por integrantes do MPF. Na última, em maio, a procuradora-geral, Raquel Dodge, destacou omissão e má-fé ao afirmar que os delatores não comunicaram participação de Marcelo Miller na negociação dos acordos enquanto ainda era procurador da República.
A decisão final sobre a rescisão dos acordos dos delatores da J&F cabe ao ministro Edson Fachin, relator que homologou os acordos em maio de 2017. A rescisão quanto a Joesley e Saud foi informada pela PGR ao Supremo ainda no ano passado. Em relação a Wesley Batista e Francisco de Assis e Silva, Dodge informou a Fachin a rescisão em fevereiro. Segundo a Procuradoria-Geral da República, mesmo com o rompimento do acordo, as provas obtidas a partir da delação continuarão válidas.
Acordo de delação premiada quebrado
No ano passado, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anulou a imunidade penal que foi concedida por ele a Joesley e Ricardo Saud, ex-executivo da JBS. O benefício, que é a renúncia por parte da procuradoria a processar os acusados, foi anulado porque Janot concluiu que Batista e Saud omitiram da PGR informações durante o processo de assinatura do acordo de delação premiada.
Um dos principais motivos para a revogação é o conteúdo de um dos áudios entregues por Joesley no acordo. O arquivo mostra uma conversa informal entre o empresário e Saud. O diálogo entre os executivos sugere que Marcelo Miller, ex-auxiliar de Janot, atuou em favor da empresa enquanto ainda estava no Ministério Público Federal (MPF). Joesley e Wesley Batista e Saud chegaram a ser presos. Hoje, eles respondem em liberdade, cumprindo medidas cautelares.
Outro Lado
A defesa de Marcelo Miller disse que ainda não teve acesso à manifestação da Polícia Federal e não se manifestou. A advogada Fernanda Tórtima não atendeu as chamadas nem respondeu às mensagens enviadas pela reportagem. Esther Flesch não foi localizada.
Por meio de nota encaminhada pela assessoria de imprensa do Grupo J&F, Joesley Batista e Francisco de Assis afirmaram que "jamais contrataram, ofereceram ou autorizaram que fosse oferecida qualquer vantagem indevida ao senhor Marcelo Miller".
"A J&F contratou dois escritórios de advocacia reconhecidos por sua reputação em suas respectivas áreas de atuação: TRW (Trench Rossi Watanabe), na área de compliance e investigação interna, e Tortima Tavares Borges, na área Criminal. Marcelo Miller era sócio do TRW, o escritório de advocacia mais renomado no mundo em compliance, não havendo motivos para desconfiar de qualquer irregularidade. Cabe ainda ressaltar que esse escritório está sendo processado pela J&F pela má-prática profissional nesse episódio", diz a nota.
"Apesar do minucioso trabalho feito pela Polícia Federal, causa indignação a suspeita por atos que sequer eram de conhecimento ou controle dos colaboradores e cuja responsabilidade deve ser assumida pelos escritórios respectivos", afirma a nota.