A 2ª Vara Federal de Canoas condenou, nesta sexta-feira (11), 10 acusados de envolvimento em fraude na merenda escolar no município – esquema descoberto durante as investigações da Operação Solidária e que envolvia a terceirização do fornecimento de alimentos para escolas públicas da cidade. A sentença sai mais de 10 anos depois de deflagrada a operação pela Polícia Federal (PF).
As penas estabelecidas pelo juiz federal substituto Felipe Veit Leal vão de cinco meses a 11 anos e sete meses de prisão. Os réus poderão recorrer em liberdade.
Entre os condenados, estão o ex-prefeito Marcos Ronchetti, com pena de cinco meses de prisão; o ex-secretário de Educação Marcos Antônio Giacomazzi Zandonai, condenado a sete anos e cinco meses; e o ex-secretário de Governo Francisco Fraga, com pena de 11 anos e sete meses de prisão. O magistrado também impôs pagamento de multas que chegam a quase R$ 300 mil.
Também foram condenados o dono da empresa SP Alimentação, Eloizo Duraes (10 anos de prisão); a advogada da empresa, Polyana Horta Pereira (cinco anos e quatro meses); o representante da empresa, Estelvio Schunck (cinco anos e quatro meses); outra representante da empresa, Cibele Cristina dos Santos (quatro anos); o sócio da empresa Gourmaitre Cozinha Industrial e Refeições, Silvio Marques (dois anos e nove meses); o outro sócio da empresa, Edivaldo Leite dos Santos (dois anos e seis meses); e o sócio da empresa Verdurama Comercial de Hortifrutigranjeiros, Genivaldo Marques dos Santos (seis anos). Outro sócio da SP Alimentação, Carlos Medina, faleceu ao longo do processo.
As condenações são por fraude ao caráter competitivo de procedimento licitatório, associação criminosa e corrupção ativa e passiva. Outros sócios da SP Alimentação, Vilson do Nascimento e Valmir Rodrigues, foram absolvidos.
De acordo com a denúncia, os crimes ocorreram entre dezembro de 2004 e dezembro de 2008. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), uma organização criminosa formada por agentes públicos e empresários, entre outros, teria atuado com o objetivo de firmar contratos de fornecimento de alimentação escolar com preços superfaturados e entrega de alimentos em quantidade e qualidade inferiores ao acertado. Para isso, o grupo teria fraudado licitações, causando prejuízos de R$ 4,5 milhões aos cofres públicos.
Contrapontos
Francisco Fraga
O advogado dele, Ricardo Cunha Martins, disse que não teve acesso à sentença e, por isso, não vai se manifestar.
Marcos Ronchetti
Advogado Marcelo Marcante: "Em relação à corrupção, fraude em licitação e formação de quadrilha, o prefeito Ronchetti foi absolvido, porque restou comprovada a inocência dele. Sobre a condenação, vamos recorrer da sentença. No entendimento da defesa, também não se justifica essa condenação".
Marcos Zandonai
O advogado Danilo Cardoso de Siqueira disse que está tomando conhecimento da sentença e depois deve se manifestar.
GaúchaZH não conseguiu contato com a defesa dos demais citados até a publicação desta matéria.
Complexidade do processo
Inicialmente, a denúncia foi oferecida junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), já que Marcos Ronchetti ocupava, à época, o cargo de prefeito. O processo foi encaminhado à 2ª Vara Federal de Canoas após o término do mandato dele, diante de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, o caso voltou para o MPF, que ampliou a denúncia. Os réus, que originalmente eram cinco, passaram para 13.
Em março de 2011, a denúncia foi novamente recebida e os denunciados foram citados para responder às acusações. Ao longo do processo, foram ouvidas 15 testemunhas de acusação e 23 de defesa, além de cinco pessoas na condição de informantes. Houve pedidos de desistência em relação a 21 testemunhas arroladas, além de um pedido indeferido e três dispensas. Um dos réus faleceu no decorrer do processo. Os demais foram interrogados ao longo de três audiências.
O processo começou tramitando em papel e soma 7.005 páginas. Depois, passou a tramitar no sistema eletrônico da Justiça Federal (E-proc). Foram 1.734 movimentos processuais, emissão de 45 cartas precatórias (intimação de pessoas fora da comarca), 88 petições, além das decisões. No período, foram movidos dois habeas corpus e um mandado de segurança contra decisões do juiz.
Como funcionava o esquema
Segundo o juiz Felipe Leal, as provas revelaram o funcionamento da fraude. A abordagem inicial aos agentes públicos era feita por um representante da empresa interessada, que apresentava as vantagens que receberiam caso aderissem ao esquema e encaminhava a minuta do edital que seria futuramente publicado.
“Na sequência do esquema, realizada uma licitação para fornecimento de alimentação escolar com a utilização do material previamente enviado, somente as empresas do grupo reuniam todas as condições previstas nos editais para participar do certame, inviabilizando assim a competição com outros eventuais interessados. Uma vez homologada a licitação e contratada uma das empresas do grupo, o réu, dirigente máximo do coletivo empresarial, providenciava e comandava a distribuição de vantagens ilícitas aos agentes públicos corrompidos, ordenando a intermediadores a entrega de quantias em dinheiro”, destacou o juiz.
Ele observou que as irregularidades teriam iniciado com a viagem do então secretário de Educação, a convite do secretário de Governo da época, a um município paulista onde já funcionava o esquema de terceirização.
“No final do ano de 2004, o secretário de Educação encaminhou o pedido de autorização ao gabinete do prefeito para implantar a terceirização da merenda escolar na rede de ensino municipal, sendo o pedido autorizado no mesmo dia”.
O magistrado também entendeu que foi comprovada a intenção de simular uma competição entre empresas, pois o resultado da licitação já estaria acertado.
“Ademais, o vínculo entre as competidoras restou bem delineado em procedimento investigatório conduzido pelo Ministério Público de São Paulo, que se encontra juntado aos autos, no qual consta inclusive um organograma das empresas do grupo indicando os respectivos sócios”.
A criação de obstáculos para dificultar a fiscalização do contrato foi outro ponto destacado na sentença.
“Conforme relatado pela testemunha, os administradores do Município de Canoas à época, notadamente o Secretário de Educação, de forma deliberada deixaram de disponibilizar uma estrutura mínima para que o Conselho de Alimentação Escolar pudesse exercer a fiscalização sobre o contrato firmado, não obstante a situação de precariedade já ter sido levada ao conhecimento do réu”.
Percentual dos contratos para propina
Para o juiz, as provas demonstraram que o município pagou à empresa contratada valores superiores aos efetivamente devidos conforme a qualidade e a quantidade da alimentação servida aos estudantes.
“Nessa linha de raciocínio, o que se conclui é que essa diferença entre os valores pagos pelo Município e o que a empresa efetivamente teve de custos com o serviço mal prestado possibilitou o pagamento de propina aos agentes públicos”.
Entre a documentação juntada ao processo, ele mencionou uma planilha apreendida que revelaria o percentual, de cada contrato, pago a agentes públicos de diversos municípios. Em Canoas, a percentagem seria de 14%. Interceptações telefônicas, testemunhos e registros fotográficos de encontros entre os envolvidos reforçariam a tese de que houve corrupção.
Os papéis de cada um dos acusados no esquema, conforme o juiz, teriam sido bem delineados, à exceção do ex-prefeito e de dois dirigentes da fornecedora de alimentos investigada. Quanto a Marcos Ronchetti, não teriam sido coletadas provas suficientes de sua participação nas fraudes. No entanto, ele foi condenado por crime de responsabilidade. Ao autorizar a terceirização dos serviços, Ronchetti contrariou a Lei do Plano Plurianual do período 2002-2005, segundo a qual o fornecimento da merenda deveria ser realizado diretamente pelo município, inclusive com a criação de cargos de merendeira e cozinheira.
Já em relação a outros dois réus, Vilson do Nascimento e Valmir Rodrigues dos Santos, restou comprovado que não se tratavam dos administradores de fato da SP Alimentação e não detinham qualquer gerência sobre as negociações.