Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto afirma que a Constituição ainda é pouco entendida, apesar de estar às vésperas do 30º aniversário, o que explicaria o elevado número de emendas ao texto. Entusiasta da Carta Magna, afirma que nela estão as respostas que oferecem "janelas de oportunidades" para uma versão melhor do país. Descarta a necessidade de revisão, mas clama para o cumprimento de seus artigos.
A Constituição recebeu 105 emendas em 30 anos. Qual é a sua avaliação?
Considero o número elevado. Não havia a necessidade de tanta emenda. A Constituição é pouco estudada, por incrível que pareça. Muito pouco entendida. O que nos cabe é nos convencermos de que ela é de excelente qualidade. Nos torna um país juridicamente primeiro-mundista. A mais democrática de todas as nossas constituições, seja no seu processo de elaboração, seja no seu conteúdo. Fez da democracia o princípio dos princípios.
O número de alterações é elevado?
Não havia necessidade de mexer tão freneticamente. Mas que sirva de lição, que a gente pare nesses 30 anos para perceber que a Constituição lembra um certo posto de combustível, cujo nome não vou dizer, que tem resposta para todas as perguntas. E se queremos segurança jurídica máxima, nada melhor do que aplicar a lei máxima, que é a Constituição.
O texto é elogiado, mas também criticado por ser extenso e detalhado.
É verdade, ele foi alongado numericamente. Pelo número de seus dispositivos foi uma Constituição adiposa, robusta, que não fez regime de emagrecimento. Era chamada, à época, pejorativamente, de Constituição prolixa. Com o tempo, começamos a tirar partido dessa materialidade expandida, uma Constituição que açambarcou princípios, normas importantes de outras disciplinas jurídicas, a ponto de se dar com esses 30 anos o fenômeno da constitucionalização do Direito brasileiro. Hoje, o penalista, o civilista e o comercialista têm de ser constitucionalista.
Como poderia ser mais protegida?
A democracia que a Constituição implantou, princípio dos princípios, não vence por nocaute. Ela qualifica a vida política, jurídica, ética e social brasileira, mas encontra reação porque a nossa sociedade é tradicionalista, elitista. As relações de base, aquelas que definem o perfil de uma sociedade, aqui no Brasil são autoritárias, não são igualitárias. A sociedade brasileira é profundamente desigual a ponto de sermos um país rico, mas de povo majoritariamente pobre.
O senhor avalia que a essência da Constituição permanece inalterada?
Permanece. Apesar de tantas mudanças, a estrutura do pensamento constitucional não foi alterada. Pelo menos, os princípios fundamentais, título primeiro da Constituição. Os direitos e garantias fundamentais, título segundo, permaneceram. Foi até modificado pontualmente, mas para melhor.
É necessária alguma revisão ou uma nova Constituição a curto ou médio prazo?
Em rigor, não. Podemos escolher as prioridades que já estão nesta Constituição. Agora, mudanças pontuais, tópicas, nesse andar da carruagem, podemos fazer para aperfeiçoar os costumes políticos, por exemplo. Temos andado de costas para a Constituição e, por isso, não estamos bem. Se passarmos a andar no caminho luminoso da Constituição, o Brasil será um país não só primeiro-mundista juridicamente, como no plano dos fatos. E a prioridade das prioridades é distribuir renda, é encurtar distâncias sociais. Vamos aplicar essa Constituição a partir dos direitos sociais, que são uma viagem sem volta.