Às vésperas de completar o 30º aniversário, a Constituição brasileira — marco entre o fim da ditadura militar e a redemocratização — acumula um recorde que divide opiniões. Desde sua promulgação, em 5 de outubro de 1988, foi modificada 105 vezes. Enquanto pesquisadores e constituintes criticam o excesso de alterações, juristas justificam as mudanças pela necessidade de atualização.
Um dos motivos apontados para o número de emendas é o nível de detalhamento da Carta Magna, promulgada com 245 disposições permanentes e 70 transitórias. Isso fez com que diversas questões específicas fossem incluídas.
— Havia uma expectativa muito grande em relação a mudanças e à busca de garantias, que os diversos segmentos entenderam que, se não fossem introduzidas na Constituição, não seriam depois — relembra o deputado constituinte e ex-vice-governador gaúcho Vicente Bogo (PSDB).
A tramitação de propostas de ajustes ao texto constitucional, as PECs, está interrompida no Congresso. A razão é o decreto do presidente Michel Temer de intervenção federal no Rio de Janeiro. Com isso, cerca de 190 PECs aptas a ir a plenário estão paradas.
Entre as últimas emendas, aprovadas em 2017, estão a do teto de gastos da União, a que libera a prática da vaquejada e a minirreforma política. Diante da média superior a três alterações a cada ano, o professor de Direito Constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) Dimitri Dimouli destaca que há dispositivos do texto que ainda não são aplicados, principalmente em relação a direitos sociais, mas minimiza qualquer impacto à essência do documento aprovado em 1988. Um dos autores do estudo Resiliência Constitucional,
Dimouli destaca que o texto tem alta capacidade de adaptação a questões políticas e econômicas. Em direção oposta, o doutor em Ciência Política Antonio Lassance avalia que o processo de emendas à Constituição está "banalizado". Para ele, os candidatos à Presidência da República deveriam incluir em seus programas eleitorais as emendas que pretendem apresentar, para que sejam avaliadas pelos eleitores:
— Temos eleições a cada dois anos e as mudanças deveriam ser submetidas a referendo.
Para que uma PEC seja aprovada, são necessárias duas votações na Câmara e duas no Senado, com apoio de três quintos de cada Casa — 308 votos de deputados e 49 de senadores. Na elaboração da Constituição, que consumiu 20 meses do Congresso — dividido entre as discussões constitucionais e os demais trabalhos legislativos —, a possibilidade de aprovação de emendas foi incluída para a correção de instrumentos que se apresentassem ineficientes com o passar do tempo.
— Aí residiu o exagero, porque emendas foram feitas para satisfazer segmentos — analisa o deputado constituinte José Maria Eymael (PSDC), responsável pela inclusão de dispositivos que garantiram diversos direitos trabalhistas, como a redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais e a criação do aviso prévio de 30 dias.
Autor da proposta constitucional que autorizou o voto aos 16 anos, Hermes Zaneti (PSB) diz que a Constituição vem sendo "maltratada" devido à corrupção e às exigências do sistema financeiro. Para ele, a falta de regulamentação de artigos como o que estabelece a auditoria da dívida pública serve ao mercado, mas não à população. Critica ainda a retirada do limite de 12% anual na taxa de juro, incluído em 1988 em um ambiente de instabilidade econômica e inflação galopante.
Hoje deputado estadual, Ibsen Pinheiro (PMDB), também integrante da Assembleia Constituinte, comenta outro mecanismo de revisão da Constituição, mais abrangente, definido para ocorrer após cinco anos da promulgação. No entanto, avalia que o resultado desse expediente não foi o esperado.
— O ambiente era o mesmo de cinco anos antes. Devíamos ter convocado para, no mínimo, 10 anos — analisa, lembrando que apenas seis pontos foram modificados na ocasião.
Para especialista, novo texto, neste momento, seria arriscado
A opinião dominante entre juristas, pesquisadores e antigos constituintes é de que ainda é preciso intensificar a aplicação de dispositivos sociais.
Trechos que definem direitos essenciais aos brasileiros — que levaram a Carta Magna a ser chamada de Constituição cidadã — não refletem o real acesso às prerrogativas, como educação, trabalho, alimentação, moradia, lazer e segurança.
Mesmo assim, a visão é de que não haveria ambiente para a elaboração de uma nova Constituição devido à atual situação política do país.
— Nosso último Congresso Nacional é um dos mais conservadores da história brasileira. Da forma como está hoje, é melhor manter a Constituição Federal na sua redação atual. Acho que haveria um risco sério de ela ser piorada — opina o professor do Departamento de História da PUC-SP Luiz Antônio Dias.