As senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Ana Amélia (PP-RS) bateram boca e trocaram acusações esta semana por causa de um vídeo que a petista gravou para a rede de televisão árabe Al Jazeera sobre a prisão do ex-presidente Lula. Essa não é, contudo, a primeira vez que elas discutem no plenário do Senado.
Tanto Gleisi quanto Ana Amélia também já trocaram farpas com outros colegas da Casa.
Na quarta-feira (18), Ana Amélia afirmou que Gleisi poderia ter violado a Lei de Segurança Nacional e disse esperar que o vídeo para a emissora árabe não tivesse "sido um pedido para que o Exército Islâmico venha ao Brasil", em referência ao grupo extremista Estado Islâmico. Gleisi rebateu e classificou as críticas de Ana Amélia como "ignorância, xenofobia e má-fé".
Outros embates mais duros entre as duas senadoras aconteceram em 2016, um deles em agosto e outro em novembro.
Gleisi também já altercou com Renan Calheiros (PMDB-AL), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Romero Jucá (PMDB-RR). Ana Amélia, por sua vez, tem frequentes embates com o também petista Lindbergh Farias (RJ) e com Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), além de Gleisi.
À BBC, Ana Amélia diz que poucos senadores se animam a enfrentar os colegas de plenário, em especial os mais barulhentos e agressivos. E afirma que só parte para o embate a depender do tema e do tom dos outros senadores.
— Estou fazendo o meu papel, não posso ficar em silêncio. Tenho que me comportar de acordo com a expectativa dos meus eleitores — justificou a senadora, dizendo que toma o cuidado para ficar "no limite do institucional" e não levar as discussões "para o lado pessoal".
Por meio de sua assessoria, Gleisi Hoffmann afirma que não comenta opiniões pessoais sobre sua atuação no Senado. "Seus pronunciamentos são públicos, em defesa da democracia, da Constituição e dos direitos do povo brasileiro. Sempre contrários à violência, ao preconceito e à xenofobia", diz a nota.
"Que baixaria"
Em agosto de 2016, Ana Amélia chegou protocolar junto ao Conselho de Ética do Senado representação para que a petista prestasse esclarecimentos por ter dito que o Senado "não tem moral" para julgar a então presidente afastada Dilma Rousseff.
— Estou cumprindo minha missão, não aceito. E acho que quem cala consente, você tem que ter uma reação a altura, e a minha foi essa — disse a senadora gaúcha ao justificar a iniciativa.
Segundo a assessoria de Ana Amélia, a representação foi arquivada. Essa mesma declaração de Gleisi provocou bate-boca da petista com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e tumulto no plenário do Senado durante o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff.
— Como a senadora pode fazer uma declaração dessa (que o Senado não tem moral para julgar a então presidente da República)? Exatamente uma senadora que, há 30 dias, o presidente do Senado Federal conseguiu, no Supremo Tribunal Federal, desfazer seu indiciamento e de seu esposo — questionou Calheiros no plenário.
Imediatamente, é possível ouvir voz de Lindbergh Farias (PT-RJ) dizendo:
— Que baixaria, que baixaria.
Ao microfone, Renan tenta afastar Lindbergh, que grita:
— Não me empurra.
Enquanto isso, Gleisi repete:
— Não é verdade.
Diante da confusão generalizada, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, que presidia o julgamento do impeachment, anunciou que anteciparia o intervalo do almoço.
Telhado de vidro
Três meses depois desse embate, quando o Senado discutia a PEC dos Gastos — que limitou os gastos do governo federal por 20 anos —, Gleisi defendeu que os senadores também reduzissem as despesas em 10%. Na tribuna, Ana Amélia provocou a colega do PT. A gaúcha não apenas afirmou que gastava apenas 30% da verba indenizatória a que tem direito como levantou os gastos da bancada petista e comparou com as próprias despesas.
Para Ana Amélia, esse foi o embate que mais irritou Gleisi.
— Ela ficou profundamente irritada. Depois disso, parou de me cumprimentar — disse à BBC.
Usando informações do portal da transparência do Senado, a senadora do PP disse ter gasto em 2015 R$ 146 mil, e a petista, por sua vez, R$ 369 mil, enquanto a média dos petistas teria sido de R$ 350 mil.
— Quem tem telhado de vidro não pode atirar pedra no telhado dos outros — afirmou Ana Amélia.
— Eu não tenho telhado de vidro não dona... senadora Ana Amélia — retrucou Gleisi, que disse ainda não ter problema algum em expor as próprias contas. — Faço economia com as verbas aqui — disse na ocasião, listando os vários projetos para reduzir.
Na réplica, Ana Amélia disparou:
— Esses argumentos são defensáveis para quem perdeu o poder aqui e perdeu o poder por não ter feito o ajuste fiscal, por ter agido com irresponsabilidade, perdulariamente com recursos públicos... Eu tenho 22 funcionários e a senadora Gleisi tem 41.
O senador Renan Calheiros, que à época presidia o Senado, interveio. O peemedebista contemporizou dizendo que o Senado sempre foi ponto de equilíbrio da discussão dos gastos públicos.
Mas a PEC dos Gastos também motivou um embate entre Gleisi e o tucano Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), hoje ministro das Relações Exteriores. A discussão começou quando Nunes acusou o PT de não ter feito a reforma tributária, nem aprovado o projeto de taxação dos mais ricos. A senadora, por sua vez, acusou o PSDB de ter aumentado a carga tributária quando esteve no governo.
A troca de acusações continuou com ambos se chamando de mentirosos. Nunes disse que a senadora estava "muito nervosa". A senadora Regina Sousa (PT-PI) entrou na discussão e acusou o tucano de praticar "misoginia", mas ele não parou de falar e disse que "o fato em Curitiba talvez tenha deixado a senhora nervosa".
Gleisi e o marido, Paulo Bernardo, que chegou a ser preso, são réus no âmbito da investigação da Lava-Jato.
No ano passado, Gleisi teve uma dura discussão com o senador Romero Jucá na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sobre a reforma trabalhista.
À BBC, Ana Amélia diz que seus embates Lindbergh Farias e Vanessa Grazziotin são diferentes.
— Na aparência, parece que a gente vai se agarrar. Mas depois a gente deixa claro que está representando nossos eleitores — diz, emendando que chama Lindbergh de "Lindinho".
Em março, contudo, com o dedo em riste, ela disse ao petista e à senadora do PCdoB:
— Não me torne bode expiatório dos seus problemas... isso é indigno da inteligência dos dois", enquanto fazia um discurso na tribuna e foi interrompida por Lindbergh e por Vanessa — ambos a acusavam de ter incitado a violência contra a caravana de Lula num discurso de uma convenção do PP, o que ela nega ter feito.
Ana Amélia também teve uma dura discussão este mês com Renan Calheiros, a quem chamou de "coronel".
O senador deu início a um bate-boca no Senado ao criticar a carta enviada por um grupo de congressistas ao STF, que, às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, pediam para que a prisão imediata após condenação em segunda instância fosse mantida. Calheiros os acusou de traírem e rasgarem a Constituição.
Irritados, os senadores tentaram rebater Renan, que tentou interromper a resposta da senadora Ana Amélia.
— Renan é o coronel querendo calar as mulheres no Senado — criticou a senadora.
Audiência
À BBC ela diz que, às vezes, é preciso colocar o dedo na ferida. Ana Amélia disse ainda que seu embate com Gleisi lhe rendeu seguidores nas redes sociais e que seu discurso foi visto por mais de 60 mil pessoas.
— Gerou ativismo e me deu visibilidade — diz.
Questionada sobre se há o risco de congressistas subirem o tom por audiência, ela disse:
— Não subo o tom para isso, no meu caso foi consequência. O que me surpreende é como a sociedade está atenta, online e acompanhando em tempo real.
Ana Amélia, que era jornalista antes de ser senadora, esclareceu que só citou o vídeo gravado por Gleisi no Senado porque a petista "foi desrespeitosa com as instituições e com a imprensa".
— Dizer que o Lula é preso político é forçar a barra — afirmou.
Também fez questão de dizer que em nenhum momento atacou a comunidade árabe, por quem afirma ter "relação afetiva e respeitosa".